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RUY CASTRO
O biografado vivo
RIO DE JANEIRO - Às vezes, me
perguntam por que não escrevo
biografias de gente viva. Respondo
que o biografado vivo não é confiável -porque ele terá de ser ouvido
e, ao ser entrevistado sobre si mesmo, mentirá para o biógrafo. Pior
ainda, obrigará seus amigos a mentir sobre ele. Uma pessoa importante o suficiente para ser biografada
em vida terá poder suficiente para
fazer isso.
O biografado vivo é também impraticável, porque sua história ainda não terminou. Digamos que o
ilustre já tenha para lá de 80 e sua
vida pública esteja, para todos os
efeitos, encerrada. Nem assim o
biógrafo estará a salvo. De repente,
com o oba-oba provocado pela biografia, o herói resolve voltar à ativa
e, até por estar fora de forma, revela-se um tardio Drácula ou Jack, o
Estripador. Pronto, lá se foi o livro
para o vinagre.
Com o biografado morto e com a
conta fechada, não há esse risco. Sabendo-se que uma boa biografia
exige pelo menos dois ou três anos
de trabalho, há poucas chances de
qualquer coisa na vida do fulano,
por mais grave, não vir à tona -nesse espaço de tempo, alguém deixará
escapar até o segredo mais bem
guardado. Não quer dizer que,
quanto mais tempo leve o biógrafo,
melhor ficará a biografia. Ao contrário: se levar tempo demais, o livro pode azedar.
Todas essas convicções perigam
caducar com o lançamento em Nova York de uma biografia de Gabriel
García Márquez pelo americano
Gerald Martin. É um livro de 600
páginas, que o autor levou incríveis
18 anos para fazer e dos quais, segundo ele, só falou com García Márquez durante um mês. Não é uma
biografia autorizada, diz Martin. No
máximo, "tolerada".
A ver. O "New York Times" gostou, o que é bom sinal. Mas parece
que García Márquez, vivo, aos 82
anos, também gostou. O que não é
bom sinal.
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