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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
A difícil gestão das ambições
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA
O BRASIL vem agregando peso
na balança global. Apresenta-se como sócio não mais subalterno nas relações internacionais no
início do século 21. O esforço logístico
do Estado, a agregar sinergias empresariais, intelectuais e da sociedade organizada, é matriz mais ampla do seu
novo modelo de inserção.
O desdobramento dessa realidade
inédita é a difícil gestão da representação externa do país. Se ampliadas
foram as responsabilidades nacionais
na contribuição para a formação de
normas e regras nos órgãos multilaterais, complexo é o sistema de indicação e votação de candidatos para tais
instâncias. Misturam-se ambições
pessoais e dificuldades táticas.
Há duas grandes formas de representação externa do Estado, embora
outras sejam possíveis.
A primeira reside na frente bilateral, área nobre gerida pelo chefe da representação ou delegação brasileira
diante de outro Estado soberano,
preenchida "in totum" pelos profissionais da diplomacia. Essa é a área da
quase hegemonia dos embaixadores
de carreira. Nem os militares conseguiram isso no seu tempo. O modelo é
único, brasileiro, quase sem correspondência mundo afora. Possui elementos positivos, de continuidade e
hierarquia, embora apresente vulnerabilidade corporativa.
A segunda frente é mais aberta e
apresenta diferentes formas, na área
multilateral e nos órgãos técnicos das
agências internacionais. Aí o Brasil
acumula ganhos e perdas, tanto nos
órgãos político-estratégicos e econômicos quanto nas áreas culturais,
educacionais e jurídicas.
Ganhou o Brasil em fins de 2008,
com arrasadora votação, ao apresentar o candidato para a mais importante corte judicial da Terra. O professor
Antonio Augusto Cançado Trindade,
do Instituto de Relações Internacionais da UnB, elegeu-se, com intenso e
reconhecido trabalho do Itamaraty,
para a Corte Internacional de Justiça
de Haia. Foi a maior votação já obtida
por um candidato a juiz da corte em
sua história quase centenária.
A vitória brasileira, no entanto, foi
precedida de ambições domésticas
que quase nos levaram a perder o posto. Mesmo lançada oficialmente a
candidatura do professor, corriam
paralelamente ambições desmedidas
de candidatos brasileiros de última
hora, a prejudicar o interesse nacional. Seu nome já havia sido aprovado
por quase todos os grupos de países.
Era o homem certo, à altura do cargo,
com representação na área do direito
internacional e com serviços prestados à formulação dos direitos humanos no mundo.
A opção do Brasil pela candidatura
de um diretor-geral para a Unesco
que se coaduna com os esforços que o
país vem fazendo no tabuleiro afro-árabe é consequente. O Brasil relançou a política africana após longo período de silêncio.
Procura participar mais ativamente da paz no Oriente
Médio. Esses dois elementos convergem para o compromisso assumido
com a candidatura egípcia. E persiste
a hipótese de que uma grande candidatura brasileira seja encaminhada
em 2010 para órgão estratégico do
sistema multilateral. Não podemos
encaminhar todos ao mesmo tempo.
O assunto é, portanto, complexo e
exige uma adaptação da nossa diplomacia e dos potenciais candidatos ao
fato de o país ter crescido no mundo e
ter interesses estratégicos maiores.
Isso pode exigir recuo e cuidado no
sistema de indicações.
Algumas sugestões podem ser encaminhadas em favor do Brasil, e não
das ambições de candidatos em busca
de glamour nos órgãos multilaterais.
Primeiro, será preciso aperfeiçoar a
pressão sobre o sistema de troca de
votos no Itamaraty, tumultuado com
o enorme número de candidaturas.
Segundo, deverá o Brasil construir
melhor dialética entre as pretensões
legítimas e um sistema prévio de análise de mérito, além de uma coluna de
prioridades, sob o olhar constitucional do Congresso.
Tomadas tais precauções, a representação externa do Brasil, nas diferentes formas, tomará um caminho
mais racional e mais brasileiro, tradição nossa desde a ida de Epitácio Pessoa para a Corte de Haia até o desembarque na mesma corte do grande
professor da UnB.
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA, 49, doutor em história pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor titular do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília. É autor, entre outras obras, de
"Relações Internacionais - Dois Séculos de História".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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