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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A violência dos mansos

RIO DE JANEIRO - Quando os Beatles estouraram, com aqueles cabelos e uma musicalidade jamais igualada pelos sucessores, parecia que a contestação de costumes, temas e acordes chegara ao máximo. Otto Maria Carpeaux, que não canso de citar e que conhecia música a fundo, fez uma profecia: "Daqui a alguns anos, as músicas deles serão tocadas no salão de chá da confeitaria Colombo".
Não deu outra. Velhinhas e velhinhos, que eram um assombro na porta da Colombo, passaram a ouvir "Yesterday" e "A hard day's night" enquanto devoravam as mães-bentas e os croquetes do tempos do Olavo Bilac e do Emílio de Menezes.
Os contestadores da sociedade, em geral, são absorvidos pela própria sociedade. Não mudam de lado: passam a ser aceitos e aceitam novas regras de comportamento.
Já tivemos suficientes bestas negras que assustavam os padrões comportados da tradição e dos bons costumes. O mais famoso deles, um metalúrgico barbudo que era acusado de comer criancinhas, violar sepulturas e estuprar freiras, chegou a presidente da República sem necessidade de dar um tiro, de quebrar uma vidraça da embaixada dos Estados Unidos.
A besta negra que agora está de plantão é Stédile. Falou em guerra, prometeu continuar invadindo terras, bagunçando o coreto da ordem e das instituições. Contra ele, as bocas de fogo de sempre o escolheram como alvo. Antes dele, um ex-deputado pernambucano, Francisco Julião, era acusado de ter 10 mil camponeses pintados para a guerra, com armas fornecidas pela China e por Cuba.
Lembro uma charge publicada num jornal conservador em que Julião, com um punhal de cangaceiro, estripava uma donzela vestida com a bandeira nacional.
O tempo absorveu o líder das Ligas Camponesas. Parece que terminou os dias com o terço nas mãos, convertido a Deus e aos bons costumes. Vamos ver o que acontecerá com Stédile.


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