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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A CPI dos Planos de Saúde

JOSÉ ERIVALDER GUIMARÃES DE OLIVEIRA

A Agência Nacional de Saúde Suplementar, foi constituída com o objetivo de regular as operadoras da área da saúde suplementar, buscar o ponto de equilíbrio nas relações entre as operadoras, os prestadores e consumidores e promover, sobretudo, a defesa do interesse público. A lei 9.656/98 e diversas medidas provisórias são o seu marco legal.
É preciso reconhecer que a atual legislação trouxe avanços importantes na defesa do consumidor em um setor até então sem regulamentação. No entanto é fundamental ressaltar que existem ainda muitas lacunas que levam a conflitos conhecidos do público: entre as operadoras, os prestadores (médicos, clínicas, hospitais etc.) e consumidores.
A Constituição assegura ao brasileiro o SUS (Sistema Único de Saúde). Na base de sua construção, encontram-se princípios fundamentais, como a equidade, universalização e participação social. Como não foi possível prover a saúde com qualidade a todos os cidadãos, o setor mais organizado da sociedade procurou outras alternativas. Razão pela qual houve o crescimento do sistema suplementar de saúde nos últimos anos.
Os usuários dos planos de saúde esperam desse sistema que trabalhe com eficiência e, sobretudo, atenda com qualidade às suas demandas. A realidade tem mostrado o contrário. Os usuários, bem como os prestadores de serviço, em particular os médicos, encontram dificuldades de relacionamento com as operadoras. Os usuários, em muitas ocasiões, não conseguem acesso a alguns serviços -em particular àqueles considerados de alta tecnologia; os reajustes são altos, o que leva muitos usuários a deixar os planos.


Os usuários dos planos de saúde esperam desse sistema que atenda com qualidade às suas demandas

Os médicos reclamam que não têm reajuste há mais de sete anos, e em muitos casos há redução de honorários, descredenciamento antiético e falta de autonomia para decidir o melhor procedimento pare os seus pacientes.
Por outro lado, as operadoras afirmam que vivem uma crise de características estruturais e conjunturais. Isso apesar de movimentarem anualmente cerca de R$ 23 bilhões. Os níveis de desemprego, o despreparo para enfrentar uma economia estável, a competição autofágica entre as operadoras, o alto custo com a incorporação e o uso de novos processos tecnológicos são algumas variáveis que podem ter influenciado no incremento dos custos dos serviços de saúde suplementar. As operadoras reclamam que o envelhecimento da população e as novas tecnologias agregam um custo anual importante.
Porém o que se vê é a ausência de racionalidade na incorporação dos novos processos tecnológicos. A região da avenida Paulista, na cidade de São Paulo, tem mais aparelhos de ressonância magnética que muitos países da Europa. É um absurdo, aliado à propaganda na mídia para que se adquira o plano "x", por ter os aparelhos mais sofisticados, transporte aéreo etc. Cria-se uma cultura de desperdício (custo parasita). Em seguida, aos usuários é proibida a utilização desses equipamentos, sob a alegação de que têm custo elevado. Auditores dos planos impedem, em muitas oportunidades, que o paciente faça um exame necessário para dirimir as dúvidas de seu diagnóstico.
Os planos de saúde, acostumados a lucros exorbitantes, não se preparam estruturalmente para a nova realidade de mercado, sob a regulação da lei 9.656 e suas diversas medidas provisórias -razão por que há conflitos entre as operadoras e os demais atores do setor (prestadores, médicos e usuários).
O ministro da Saúde, Humberto Costa, constituiu o Fórum de Saúde Suplementar, envolvendo todos os atores, para discutir a crise do setor na busca de um entendimento, se possível consensual, entre os diversos segmentos, a fim de encontrar um ponto de equilíbrio, objetivando o interesse público.
A maioria das operadoras não reajusta os honorários médicos há mais de oito anos. A média paga por uma consulta gira em torno de R$ 19,58, muito abaixo do mínimo reivindicado pelas entidades médicas, que é de R$ 39. Quanto aos usuários, as operadoras têm reservado reajustes elevados para as faixas etárias acima dos 50 anos. De acordo com as entidades de defesa do consumidor, o valor médio da mensalidade para os usuários acima de 60 anos, antes do reajuste de 2003, é de cerca de R$ 570. Além dessas questões, a cobertura global, a liberdade de escolha do profissional médico e a falta de liberdade para que ele solicite e/ou proponha procedimentos são outras fontes de conflito.
O fórum e a CPI dos Planos de Saúde têm uma importância ímpar nessa conjuntura. Podem fazer um diagnóstico preciso da situação do sistema e propor medidas que modifiquem esse quadro. A crise do sistema não deve ser vista apenas como uma questão gerencial e de mercado. Há raízes profundas no modelo assistencial adotado no país. A nova realidade obriga a uma revisão dos conceitos consagrados, na perspectiva de que o atual sistema, baseado na atenção hospitalar e médica, passe a integrar um modelo que dê ênfase à prevenção e à promoção da saúde. É preciso transformar as agências em instituições subordinadas às políticas de saúde do Ministério da Saúde, integradas ao SUS e, sobretudo, controladas pela sociedade.

José Erivalder Guimarães de Oliveira, 51, é presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, primeiro vice-presidente da Confederação Médica Brasileira e membro titular, como representante da CUT, na Câmara Técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar.


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