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JOÃO SAYAD
"Mute"
Kerry tem sido acusado de antipatriota e traidor, apesar de ter
combatido e ter sido condecorado na
Guerra do Vietnã. Os democratas alegam que as acusações têm vindo de
uma organização de veteranos de
guerra ligados à campanha de Bush.
No cinema, documentários demonstram que não havia motivos para invadir o Iraque. Várias TVs abertas defendem a guerra e espalham pânico entre os espectadores.
O petróleo não é o motivo principal
da invasão do Iraque. Como qualquer
país civilizado, os americanos precisavam de um bode expiatório depois do
11 de Setembro. O Iraque foi escolhido
pelas mesmas razões que, durante a
Idade Média, a Europa elegia os judeus como responsáveis pela Peste
Negra. Como os brancos do Sul enforcavam um negro, eterno acusado de
estupro. Ou como a polícia no Brasil,
às vezes, encontra rapidamente o culpado do crime hediondo depois de espancar um "pardo" na delegacia.
O debate sobre o heroísmo de John
Kerry ou sobre as falsas informações
que levaram à invasão do Iraque tem
efeitos marginais sobre as pesquisas
de opinião pública, diminuindo ou
aumentando alguns pontos nas intenções de votos de cada candidato.
No Brasil, a CPI do Banestado acusa
muitos por crimes fiscais e é acusada
de motivações políticas. A campanha
eleitoral para as prefeituras multiplica
as denúncias. Jornalistas se acusam
mutuamente por notícias falsas. As revelações obrigam o governo a negociar com a oposição e enchem os jornais de notícias. Nada muda nem se
propõe nada de novo.
O mundo já foi diferente. O presidente Nixon foi "impeached" apenas
porque mentiu. As crianças americanas aprendem na escola a história, falsa ou verdadeira, que George Washington nunca mentiu.
No Brasil, as entrelinhas da "Veja"
no início dos anos 70 davam notícias
proibidas que se tornavam escândalos. As poesias impressas nas primeiras páginas do "Estadão" eram denúncia forte contra a tortura e a opressão.
"O escritor é responsável pela liberdade humana." Em tempos de mudança, quando o opressor é conhecido, a liberdade é uma ação concreta,
uma palavra, um gesto ou um panfleto distribuído às escondidas.
Quando nada muda e o opressor
ainda não foi identificado, a elite consolidada compartilha das mesmas
opiniões; escritores, jornalistas, economistas se transformam em defensores de conceitos universais -"a liberdade de expressão", "a verdade",
"a ética", "a arte pela arte", o jornalismo pelo jornalismo, a economia como teoria pura e a política como jogo
de poder.
O leitor, como um espectador de televisão que apertou o botão "mute",
vê sem ouvir cenas de amor ou pornográficas, de violência ou heroísmo, de
patriotismo ou corrupção com a mesma indiferença. O que se diz não tem
importância nenhuma.
Em tempos assim, as eleições não
são relevantes. O vencedor adotará
sempre a mesma política, ou na linguagem dos "executivos", terá a mesma "missão" e o mesmo "desafio" do
candidato que derrotou. A personalidade do candidato -carismático,
agressivo ou prudente- é mais importante do que o partido. Um "head
hunter" escolheria melhor do que as
urnas.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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