São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

BETTY MILAN

Marta x Serra

Abro a Folha em "Tendências/Debates" e vejo que há um artigo de Marta Suplicy e outro de José Serra, os dois candidatos mais cotados para a Prefeitura de São Paulo (pág. A3, 15/8). Leio-os atentamente para saber como cada um ocupa o espaço que o jornal concedeu.
Marta abre o texto com "tenho certeza", ou seja, na primeira pessoa e de modo afirmativo. Continua no mesmo tom, porém passa da primeira pessoa do singular para a primeira do plural, do "eu" para o "nós", falando em nome do partido. Faz isso porque expõe um programa de ação.


Como é tempo de campanha, o leitor se pergunta se o candidato vai falar da sua


Quem não sabia das suas realizações ficou sabendo. Aprendeu que, durante a gestão atual, ela tanto se ocupou do centro de São Paulo quanto da periferia. Revitalizou o centro histórico e o iluminou, o que significa tê-lo tornado mais seguro. Paris foi iluminada no século 17, por iniciativa do chefe de polícia, por uma questão de segurança. Daí a legenda da medalha que Luís 14 mandou cunhar: "Segurança e Luz".
No que diz respeito à periferia, Marta evocou o CEU (Centro Educacional Unificado), que é o seu cartão de visita, e insistiu em que "não foram construídos nas marginais para servir de outdoor", mas "nos fundões das zonas leste e sul, nas áreas de maior pobreza e violência de São Paulo".
O artigo termina com uma promessa arrebatadora: "Minha intenção, se o povo me der essa oportunidade, é fazer uma rede CEU na saúde".
Tirante o parágrafo em que se lê a propósito de São Paulo ("era sinônimo de falta de investimento social, ruas e praças abandonadas"), parágrafo que afasta o leitor, porque São Paulo é uma cidade de ruas e praças abandonadas, o texto é tão convincente quanto a tática de pedir o apoio do ex-marido para se reeleger. Por que, aliás, Marta não o faria? Sempre manteve com o pai de seus filhos e seu primeiro maior parceiro político uma relação cordial, denotando a civilidade esperada. Mais do que isso, ensinando que o divórcio não implica a exclusão do "ex" (ou da "ex") e que a amizade entre os sexos é concebível.
Não é preciso ser petista para aprovar esse ensinamento, decorrente de uma política que é a da inclusão. Ao invés de excluir o ex-cônjuge, o homossexual, o negro, incluir todos. O que a modernidade brasileira e internacional requerem é o respeito à memória e à diferença. Um respeito de que Marta e Eduardo foram dignos, aparecendo novamente juntos. Já não são marido e mulher, são dois membros do mesmo partido e dois pacifistas. Por sua atitude, o senador merece ser chamado de cabo eleitoral vip. Poucos homens são capazes da sua elegância.
Logo abaixo do texto da prefeita, o jornal publica o de José Serra, que não começa com uma frase, mas com uma sentença relativa à campanha eleitoral para o Parlamento polonês. Como é tempo de campanha, o leitor se pergunta se o candidato vai falar da sua. O segundo parágrafo não esclarece a questão, porém, no meio dele, lê-se que, "para capturar corações e mentes, mais vale controlar a mídia, em particular, e a produção cultural, em geral, do que dispor da força bruta". O candidato está certo, só que o leitor continua sem saber para onde ele vai.
No quarto parágrafo, a frase "impulso liberticida" chama a atenção. Parece que o texto é sobre um atentado à liberdade. Com efeito, no sexto (são nove parágrafos ao todo) está escrito: "Criar autarquias dedicadas a vigiar e punir os produtores de informações, expulsar jornalistas, insurgir-se contra a exposição do contraditório na mídia -este é o longo e indigesto cardápio apresentado pelo governo do PT à sociedade".
Sabemos agora que ele escreve para criticar Lula pelo Conselho Federal de Jornalismo, que visa "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista". Escreve para fazer a crítica que a imprensa inteira está fazendo. Num certo sentido, é chover no molhado. Claro que, ao se posicionar do lado da imprensa, ele se apresenta como um homem de bem e promove indiretamente a sua candidatura.
Melhor seria fazê-lo diretamente, apresentando propostas claras para resolver problemas urgentes da cidade, que requer dirigentes pragmáticos, porque foi e continua a ser o paraíso das ilusões. Para saber disso, basta deixar o carro na garagem e andar a pé. Olhar os moradores das ruas e escutar as suas histórias. Nem é preciso, aliás, ir longe, porque a periferia está no centro.

Betty Milan, escritora e psicanalista, é autora de "O Clarão" e "A Paixão de Lia", entre outros livros.


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