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TENDÊNCIAS/DEBATES
Tributo a d. Luciano Mendes de Almeida
PEDRO LUIZ STRINGHINI
O mundo precisa de pessoas capazes, lúcidas, generosas. Dom Luciano mostrou que pessoas assim existem e semeiam esperança
AOS 27 DE agosto, festa de santa
Mônica, mãe do bispo santo
Agostinho, faleceu, aos 75
anos, dom Luciano Mendes de Almeida. Seria aniversário de sua falecida
mãe, data em que ele recebeu o sacramento da crisma e sétimo aniversário
de morte de dom Hélder Câmara. Tudo muito mais que coincidências!
Dia 28 de agosto, dia de santo Agostinho (filósofo, teólogo e bispo do
quarto século d.C.), dom Luciano,
igualmente teólogo, filósofo e bispo,
recebeu, na repleta catedral da Sé, em
missa presidida pelo cardeal dom
Cláudio Hummes, arcebispo de São
Paulo, a homenagem da igreja e da cidade, com a presença do prefeito municipal, autoridades, católicos, representantes de outras igrejas, membros
das pastorais, crianças de projetos sociais da igreja e moradores de rua.
Todos conheciam pessoalmente
dom Luciano e eram por ele conhecidos. Sua missão foi unir, congregar,
conciliar, romper barreiras de distância ou de discórdia.
O presidente da República, com todo o Brasil, acompanhou atento os 40
dias de d. Luciano no hospital das clínicas. Em São Paulo, prestou-lhe sincera, pessoal e pública homenagem
de reconhecimento a um homem que,
nas últimas décadas, contribuiu para
o avanço democrático e social do país.
Nascido a 5 de outubro de 1930,
dom Luciano foi ordenado sacerdote
jesuíta, em Roma (1958). Em 1976, foi
ordenado bispo por dom Paulo Evaristo Arns, tornando-se responsável
pela Região Episcopal Belém (o Belenzinho), na zona leste de São Paulo.
Em 1988, foi nomeado arcebispo de
Mariana (MG). Lá, durante 18 anos,
guiou o povo católico, percorrendo
longas distâncias nas visitas às comunidades, crismando dezenas de milhares de jovens, criando projetos de
promoção humana, promovendo a
conservação do patrimônio histórico
colonial das igrejas, a formação dos
leigos, as vocações sacerdotais, amparando pessoalmente os pobres.
Homem de grande mente e grande
coração, de brilhante comunicação e
inteligência privilegiada, tratava a todos com humildade e simplicidade,
escutando e compreendendo cada
pessoa na sua situação. Como estudante, neo-sacerdote e professor, em
Roma, iniciou seu apostolado junto
aos presos. Daí em diante, só aumentaram seu dinamismo, capacidade de
trabalho, dedicação incansável, espírito de sacrifício, intensa ascese espiritual, oração, fidelidade.
Exemplo e referência para o episcopado nacional, admirado e respeitado
pelos bispos, dom Luciano ocupou,
por 16 anos, cargos de secretário-geral e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Com serenidade, firmeza, autoridade e diálogo com o governo, ajudou a
encontrar soluções para difíceis questões sociais e políticas nacionais.
Em 1981, os conflitos de terra no sul
do Pará (Araguaia) levaram à prisão
dois padres franceses em cuja defesa
d. Luciano atuou com veemência, defendendo, em nome da CNBB, reforma agrária e políticas agrícolas eficazes, abrangentes e duradouras.
Defendeu com firmeza os direitos
da pessoa humana, especialmente os
direitos sociais à moradia, saúde, educação, apoiando, na zona leste, a criação do Movimento de Defesa do Favelado. Logo que chegou no Belém, a
partir de visitas à Febem, iniciou a
Pastoral do Menor, hoje expressiva
em todo o país. Para moradores de
rua, d. Luciano criou a Casa São Martinho e o Arsenal da Esperança.
Defensor convicto e incansável da
causa indígena, ajudou no processo
que culminou na vitoriosa demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol,
em Roraima. Em 2002, inspirou, os
bispos do Brasil a aprovarem, unanimemente, o mutirão de superação da
miséria e da fome, com a construção
de cisternas no Nordeste e apoio à
agricultura familiar.
Teve atuação decisiva nas conferências episcopais latino-americanas
de Puebla (1979) e Santo Domingo
(1992). Foi delegado em diversos sínodos dos bispos em Roma e eleito
para a conferência episcopal de Aparecida, no próximo ano. O esforço pela paz o levou, anos atrás, ao Líbano.
No leito do hospital, repetia sempre:
"rezemos pelo Líbano e por Israel".
A igreja e o mundo precisam de pessoas capazes, lúcidas, generosas. Soluções só virão com grandeza de espírito, em que causas nobres e urgentes
sejam colocadas acima dos interesses
individuais e pequenos. Dom Luciano
mostrou que pessoas assim existem,
marcam, fazem diferença, semeiam
esperança, acreditam no ser humano.
Sua profunda fé em Deus fez do
centro do seu pensamento e do seu
ensino o tema da pessoa humana e
sua dignidade. Sofria ao pensar que a
sociedade atual, avançada tecnologicamente, não só permite como se
mantém indiferente ao drama dos
que passam fome, sobretudo na África. Repudiou a insensatez da fabricação de armas para matar inocentes.
Com sua lucidez, profetismo, testemunho eloqüente de caridade, bondade e santidade, resumia-se simplesmente como uma pessoa feliz. Na
doença, costumava dizer: "Estou nas
mãos de Deus" ou "Deus é bom".
Seu serviço sacerdotal e episcopal,
traduzido em testemunho de amor a
Deus, à igreja e aos pobres, foi realizado, como diz seu lema, "em nome de
Jesus", cumprindo o que disse santo
Agostinho: "Para vocês, sou bispo;
com vocês, sou cristão".
DOM PEDRO LUIZ STRINGHINI, 53, bispo auxiliar de São
Paulo, é responsável pela Região Episcopal Belém (região
para a qual, há 30 anos, d. Luciano foi designado ao ser ordenado bispo) e pelas pastorais sociais da Arquidiocese.
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