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GUSTAVO FRANCO
O problema da transferência
NEM TODOS os economistas
estudaram este assunto,
que é um clássico na disciplina, porém um tema meio antigo
e difícil, e que esteve, por exemplo,
no coração das controvérsias sobre
as reparações de guerra impostas à
Alemanha após a Primeira Grande
Guerra. Muitas análises interessantes, de John Maynard Keynes a
Paul Samuelson, foram produzidas
sobre o problema.
O problema da transferência
tem tudo a ver com o uso do dinheiro do pré-sal. Imagino que as assessorias dos ministros Mantega e Lobão já devam saber tudo sobre isso.
Se não sabem, estamos em perigo.
Mas, como o leitor nada ouviu
sobre as leituras da comissão interministerial do pré-sal, vale um dedo de prosa sobre a natureza deste
problema, que se apresenta toda
vez que um país se vê diante de
grandes e inesperadas receitas
(ou despesas) em moeda que não
é a sua.
A Alemanha estava obrigada a
pagar reparações aos franceses,
mas em moeda "forte", dólar ou
ouro. Tinha um problema fiscal,
pois a obrigação era do governo, e
outro de balanço de pagamentos,
pois tinham de transformar "marcos-papel", como se dizia, em dólares ou ouro.
Rodar a guitarra e fabricar marcos para pagar a dívida era fortemente inflacionário -e mais ainda
quando o governo levava o seu papelório para o mercado de câmbio
para comprar dólares. A desvalorização tinha de ser monstruosa para
que se produzisse um superávit comercial (em dólares) que "transferisse" reparações que correspondiam a 80% das exportações alemãs.
Foi uma tragédia.
Se quisermos gastar o dinheiro
do pré-sal em educação, vamos enfrentar dificuldades parecidas, embora com o sinal contrário. Quando
se fala em "dinheiro" do pré-sal, vamos ter clareza que falamos de dólares advindos da exportação, o que
está um tanto distante do desejo de
gastar em reais, que é assunto
fiscal. Como na Alemanha, o problema tem (ou pode ter) um ângulo
fiscal, outro de balanço de
pagamentos.
Se as instalações e equipamentos
educacionais fossem importados, e
se as professoras ganhassem em
dólares e gastassem toda a sua renda em importações adicionais, então, e apenas nessas curiosas circunstâncias, não haveria efeitos
cambiais e problemas de transferência.
Se não for assim, então, fica claro
que os reais usados para fazer as escolas e pagar as professoras serão
produzidos por aumento da dívida
pública, e para isso não precisamos
de pré-sal.
A lição, que não é tão complicada, é que o tesouro só é um tesouro
se o país tem uso para ele na moeda
do tesouro.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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