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CARLOS HEITOR CONY
Flávio de Aquino
RIO DE JANEIRO - Sonhei com o Flávio de Aquino, professor e crítico de
arte, meu companheiro durante
anos. Era vermelho de rosto, olhos
claros, filho de senador, bom e belo
sujeito, dos melhores que esbarrei por
aí.
Dele guardo duas lembranças fundamentais. Uma delas foi a melhor
definição de arte que conheço, problema que inquieta teóricos de todos
os tamanhos e feitios. Ele dizia que ""a
arte foi feita para chatear Flávio de
Aquino".
Mantendo colunas em jornais e revistas, era procurado, solicitado, bajulado e esculhambado em nome da
arte. Lembro um pintor que dormiu
duas noites na calçada de seu prédio,
até que ele se decidisse a anunciar
uma exposição.
Outra lembrança dele foi quando
começou a ter dificuldade em apanhar o que deixava cair no chão. Como era distraído, desligado das coisas
do mundo, tudo lhe caía das mãos,
papel, lenço, dinheiro, chaves.
Às vezes ele nem fazia nada. Pela
inexorável lei da gravidade, ao pegar
a borracha para apagar uma palavra
no texto, a borracha caía e ele gemia
ao se curvar para apanhá-la. Foi então que sugeriu não a revogação da
lei da gravidade como um todo, mas
de forma proporcional à idade de cada um.
Para crianças e jovens, que a gravidade continuasse de 100%, seguindo
a Lei de Newton, a maçã caindo onde
e quando devia cair. Na fase adulta,
a gravidade seria diminuída de 50%,
em respeito às colunas bombardeadas por bicos de papagaio e hérnias
de disco.
Após os 65 anos, tal como as isenções no Imposto de Renda e a gratuidade no metrô, nas barcas e nos ônibus, todos seriam isentos da Lei da
Gravidade. Como os astronautas no
espaço. Os objetos ficariam flutuando
em torno das pessoas.
Flávio está no espaço. Deve ter conseguido o que não conseguiu aqui.
Torço para que isso lhe tenha acontecido.
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