São Paulo, sábado, 30 de setembro de 2000

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CARLOS HEITOR CONY

Flávio de Aquino

RIO DE JANEIRO - Sonhei com o Flávio de Aquino, professor e crítico de arte, meu companheiro durante anos. Era vermelho de rosto, olhos claros, filho de senador, bom e belo sujeito, dos melhores que esbarrei por aí.
Dele guardo duas lembranças fundamentais. Uma delas foi a melhor definição de arte que conheço, problema que inquieta teóricos de todos os tamanhos e feitios. Ele dizia que ""a arte foi feita para chatear Flávio de Aquino".
Mantendo colunas em jornais e revistas, era procurado, solicitado, bajulado e esculhambado em nome da arte. Lembro um pintor que dormiu duas noites na calçada de seu prédio, até que ele se decidisse a anunciar uma exposição.
Outra lembrança dele foi quando começou a ter dificuldade em apanhar o que deixava cair no chão. Como era distraído, desligado das coisas do mundo, tudo lhe caía das mãos, papel, lenço, dinheiro, chaves.
Às vezes ele nem fazia nada. Pela inexorável lei da gravidade, ao pegar a borracha para apagar uma palavra no texto, a borracha caía e ele gemia ao se curvar para apanhá-la. Foi então que sugeriu não a revogação da lei da gravidade como um todo, mas de forma proporcional à idade de cada um.
Para crianças e jovens, que a gravidade continuasse de 100%, seguindo a Lei de Newton, a maçã caindo onde e quando devia cair. Na fase adulta, a gravidade seria diminuída de 50%, em respeito às colunas bombardeadas por bicos de papagaio e hérnias de disco.
Após os 65 anos, tal como as isenções no Imposto de Renda e a gratuidade no metrô, nas barcas e nos ônibus, todos seriam isentos da Lei da Gravidade. Como os astronautas no espaço. Os objetos ficariam flutuando em torno das pessoas.
Flávio está no espaço. Deve ter conseguido o que não conseguiu aqui. Torço para que isso lhe tenha acontecido.


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