São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É isso, professor!

CARLOS VELLOSO

O professor Claudio Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, publicou artigo, sob o título "Qual é, ministros?" (Folha, pág. A3, 23/9), em que, depois de afirmar que a Transparência Brasil tem promovido campanhas de conscientização eleitoral, conclamando o povo a não votar em "candidato ladrão", verbera decisão do Tribunal Superior Eleitoral que não autorizou emissora do governo a divulgar spots do tipo "não vote em ladrão".
O professor Abramo critica acerbamente a decisão do tribunal, especialmente o meu voto, proferido na condição de relator. Escreve: "O exame do parecer (sic) do relator exibe peculiaridades que fazem despertar dúvidas a respeito da sensatez com que aquela corte exara suas decisões".
O professor, entretanto, que prima pela sensatez -que o digam os seus alunos-, entende, do alto de sua cátedra, que o tribunal pode autorizar a veiculação de spots agressivos contra os políticos. É salutar qualquer campanha que oriente os eleitores a votarem em candidatos que ofereçam programas de governo, em candidatos honestos e que possam fazer algo em favor da coisa pública, da "res publica". Isso é muito bom, quem ganha é a nação. E a Justiça Eleitoral tem veiculado programas nesse sentido no rádio e na televisão, com forte conteúdo ético.


Os políticos precisam ser respeitados, porque há bons e maus políticos, o que ocorre em qualquer atividade profissional


Mas o que não pode ocorrer é a agressão pura e simples aos candidatos e políticos de modo geral, como esse spot que se pretendia divulgar com o endosso da Justiça Eleitoral:
Locutora: "De onde sai esse monte de dinheiro que muitos candidatos estão gastando? De algum lugar precisa sair. Você não acha que tem direito de saber de onde é? E por quê? Faça essas perguntas aos candidatos. Aproveite e pergunte quanto eles estão gastando. Compare com o que você está vendo e pense: o número bate? Se não bater, é certo, aí tem coisa".
Locutor: "Vote limpo em 2004. Uma campanha Transparência Brasil. Apoio Rádio Nacional, emissora da Radiobrás".
Os políticos precisam ser respeitados, porque há bons e maus políticos, o que ocorre em qualquer atividade profissional. Autorizar a Justiça Eleitoral, a pretexto de fazer campanha pelo voto limpo, que sejam eles agredidos no período eleitoral -"não vote em ladrão"-, generalizando-se afirmações desprimorosas, não seria sensato.
À primeira vista, sensibilizou-me a campanha do professor Abramo. Um e outro colega, entretanto, ponderaram, quando discutíamos a questão, que a agressividade dos spots, injuriosos e difamatórios, de certa forma lembrava campanhas "fascitóides", que não prestam obséquio ao debate democrático. Devemos lutar por eleições cada vez mais limpas, pelo voto consciente no candidato que possa oferecer algo em favor do povo, mas não podemos generalizar bordões que atingem o mau político, é certo, mas que não deixam de atingir, também, o bom político, que está na política para prestar serviço.
A Justiça Eleitoral tem tentado realizar esse desiderato, tem cumprido seu papel de conscientização do voto junto ao eleitorado, através da campanha denominada "Vota Brasil", que vem sendo veiculada pelo rádio e pela televisão em todo o país. Além disso, colocamos à disposição dos eleitores, no site do TSE (www.tse.gov.br), spots para divulgação, todos orientados no sentido de tornar cada vez mais limpas as eleições e, assim, cada vez mais legítima a democracia que praticamos.
Desejamos trabalhar, ombro a ombro, com todas as organizações governamentais e não-governamentais que queiram promover campanhas de conscientização do voto. Só que tais campanhas deverão ser feitas com respeito aos candidatos e aos políticos, sem generalizar acusações, tal como o exige o debate democrático.
É isso, professor!

Carlos Velloso, 68, professor emérito da PUC-MG e da UnB, é vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Foi presidente dessa corte (1994-1996) e do Supremo Tribunal Federal (1999-2001).


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