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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
FHC, Lula e a "missão paulista"
O governo petista poderia ser
visto como mais um episódio do
processo de retomada da hegemonia
política pela sociedade emergente
paulista depois do ciclo militar. A
aliança formada em São Paulo por
ocasião da luta pela redemocratização, que poderia ser resumida na trinca "CUT-USP-Fiesp" (como sugeriu
em outros tempos o sociólogo Gilberto Vasconcellos), produziu um agrupamento político no qual as diferenças entre as partes não impediram o
compartilhamento de ações e de visões. Nessa perspectiva, o governo Lula seria ainda um desdobramento do
projeto político modernizador que
unia a frente paulista antes da expansão de seu núcleo e de sua subdivisão.
A candidatura de Fernando Henrique ao Senado, em 1978, foi um dos
momentos exemplares dessa conjunção. Ali, a "intelligentsia" uspiana, a
nova elite sindical e parte da avenida
Paulista estavam perfeitamente representadas. Além dos anseios democráticos, esse ajuntamento político, por
mais que divergisse, foi moldando um
patrimônio comum de aspirações "civilizatórias", progressistas e republicanas: uma nova Constituição, desenvolvimento econômico, modernização das relações capital-trabalho, eficiência e impessoalidade na gestão da
coisa pública, promoção da cidadania,
redução das desigualdades etc.
O interregno entre o fim da ditadura
e a chegada do primeiro representante
legítimo da "missão paulista" à Presidência, precisamente o senador-sociólogo, serviu para demonstrar que a
empreitada exigiria um convívio complexo com as demais forças políticas,
tanto as novas como as tradicionais, ligadas à ordem pregressa e ao populismo de direita e de esquerda.
Esses embates deram mais nitidez às
diferenças internas daquela antiga galáxia política -que se cristalizaram
em partidos e linhas colidentes. PT e
PSDB foram as formas mais acabadas
da cisão da frente paulista original.
Em 1994, quando alguns imaginaram que a candidatura de FHC pudesse propiciar uma quase natural aliança
de centro-esquerda com o PT, reunindo, em novas circunstâncias, os amigos de outros tempos, eis que o príncipe havia decidido apostar na atração
da centro-direita para consolidar seu
projeto, que, no final das contas, prenunciado de forma selvagem por Fernando Collor de Mello, passava por
um "upgrade" na inserção do país na
nova ordem global -o que ao PT,
àquela altura, ainda soava como mero
entreguismo "neoliberal".
Ficaram, assim, os antigos aliados
fazendo o papel de situação e oposição. FHC fez o que se sabe: "paulistizou" o Brasil no bom e no mau sentido. Promoveu reformas e códigos republicanos e caiu em armadilhas liberais com patrocínio dos mercados financeiros. A Fiesp, então, tratou de
aproximar-se cautelosamente de um
PT que enfatizava compromissos com
o emprego e a produção, com a vantagem de passar -a despeito das aparências- por um claro processo de
rediscussão e moderação política.
A eleição de Lula viria para completar a metade do projeto paulista que a
expedição tucana deixara por fazer:
recolocar a produção no eixo da economia e integrar as massas aos benefícios do crescimento. Nada muito diferente do que a esquerda tucana de José
Serra pretendia (em tese, Lula e Serra,
PT e PSDB poderiam estar juntos; são
muito mais próximos do que PT e PL
ou PT e PTB). Até aqui, no entanto, o
governo petista tem atuado aquém da
fronteira a ser desbravada. Mas é cedo
ainda para saber como esse incompleto ciclo paulista irá chegar ao fim.
Marcos Augusto Gonçalves é editor de Opinião. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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