São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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SAÍDAS PARA A DÍVIDA

O resultado da eleição municipal de São Paulo só virá a público depois da votação de amanhã, mas o principal problema a ser enfrentado pela nova administração já é conhecido: o elevado grau de endividamento da prefeitura.
A cidade chegará ao final deste ano com uma dívida em torno de R$ 30 bilhões -cifra que representa mais do que o dobro das receitas anuais do município. Para enquadrar-se nos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), essa relação precisaria cair para 178% até o final de 2005, segundo um cronograma negociado com o Tesouro Nacional com vistas a limitar, em 2016, o endividamento de todos os municípios a 120% das receitas anuais.
Até maio de 2005, graças a uma decisão do Senado, foram suspensas as sanções previstas, como restrição a novos endividamentos e corte de repasses. No final do ano que vem, no entanto, a possibilidade de punições estará novamente facultada, e é unânime a avaliação de que será impossível ao Executivo paulistano cumprir os compromissos estabelecidos. Para fazê-lo, estima-se que a cidade precisaria dobrar o percentual de 13% de suas receitas que é vinculado ao pagamento de juros e encargos. Isso implicaria reduzir os investimentos a zero e comprometer a prestação de serviços essenciais.
Como o problema não diz respeito apenas à cidade de São Paulo, as pressões políticas com vistas a uma revisão tendem a recrudescer. O risco subjacente é o de se configurar o início de uma espiral de revisões e concessões que acabe por desmoralizar a LRF, instrumento relevante para o processo de ajuste das contas do setor público. Por isso mesmo é preciso enfrentar o problema, reconhecendo que os critérios adotados no passado para corrigir as dívidas de Estados e municípios foram equivocados e têm contribuído para configurar um quadro insustentável.
O índice escolhido para reajustar o endividamento, o IGP, reflete fortemente as variações da cotação do dólar. Com as desvalorizações do real ocorridas nos últimos anos, o montante da dívida de Estados e municípios cresceu de maneira desproporcional às receitas, que tendem a acompanhar o índice de inflação do consumidor (IPCA). Em 2000, por exemplo, o IGP subiu 26,4%, contra 12,5% do IPCA. Considerando-se, além disso, a incidência de juros de 6% ao ano, o resultado (que o baixo crescimento da economia apenas agrava) é uma crescente disparidade entre os ritmos de elevação das dívidas e das receitas.
Diversos analistas têm apontado a troca do IGP pelo IPCA como uma das medidas que deveriam ser adotadas pelo Senado. Para que essa mudança surtisse efeito, no entanto, seria necessário que tivesse caráter retroativo, o que pode gerar dificuldades. Outras alternativas são a revisão dos limites estabelecidos para a relação entre dívida e receita, além do alongamento dos prazos previstos.
Para que se preserve a essência da LRF e não se comprometam os objetivos de ajuste fiscal, seria fundamental manter a vinculação de parte da receita de Estados e municípios ao pagamento dos compromissos. No âmbito dessa revisão, também poderiam ser negociadas contrapartidas com vistas a reduzir despesas e melhorar a eficiência dos gastos públicos das unidades federativas.
A questão deve ser enfrentada com pragmatismo e maturidade. O país não pode abrir mão do importante instrumento de controle das finanças públicas que é a LRF, mas é indispensável que os parâmetros estabelecidos sejam apropriados e realistas.


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