São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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JOÃO SAYAD

Bienal de 2006

A ELEIÇÃO acabou. Os daltônicos foram derrotados. Daltônicos confundem verde com vermelho, azul com roxo. Sem ajuda, comprariam gravata roxa que lhes parece azul e discreta. Como ninguém enxerga a própria gravata, enfeite destinado aos outros, sempre perguntam à vendedora qual a cor dessa gravata?
Não é possível definir a priori quem é daltônico. Depende de como a maioria (50% mais um) percebe o espectro cromático. Em tese, qualquer um poderia ser chamado de daltônico. Daltônica é sempre a minoria.
A patologia não é percebida na infância. Nos piores casos, transformam-se em adultos com fobia a divergências, ótimos profetas, terroristas ou ditadores. Nos casos mais freqüentes, viram adultos que respeitam opiniões alheias e mantêm a própria convicção, ainda que minoritária. Parecem cínicos, mas são boa gente e republicanos.
Por coincidência, neste ano, a Bienal está organizada em torno do tema "Como viver juntos?", pergunta prática e oportuna. Pense no sinal de trânsito -quem define quando está verde?
A pergunta da Bienal pode ser respondida de duas formas. Pode ser o convívio proposto pelos relativistas. Respeito exagerado à opinião alheia, que chega à indiferença e transforma diálogos em falas alternadas sobre assuntos desconexos. Eu digo o que digo por que sou branco, paulista e do gênero masculino. Você pensa o que pensa por que é negro e baiano. Não existe verdade, todos os valores são incomensuráveis.
A alternativa é o fundamentalismo. Não abro mão das minhas convicções e tento derrotar as opiniões contrárias. O papa, por exemplo, propôs guerra ao relativismo e luta pelo restabelecimento da Verdade.
O papa parece concordar com Adam Smith, que descobriu que, se cada empresa procurar egoisticamente o maior lucro possível, acaba altruisticamente tendo lucro nulo, para felicidade geral dos consumidores. Se cada um acredita numa verdade particular, para o conjunto nada é verdade. O relativismo floresce num mundo de fundamentalismos concorrentes.
Americanos são relativistas -separam-se em raças, gêneros e brigam para proibir o ensino da teoria da evolução. Os fundamentalismos se compensam internamente e liberam confuso relativismo geral.
No exterior, longe dos outros americanos, são fundamentalistas. Brasileiros, estamos condenados, por amor, a viver juntos. Seremos salvos dos dois extremos se, como os daltônicos, pouparmos ao olhar dos outros o mau gosto da gravata roxa. Só atravessam o sinal vermelho observando a maioria, forma democrática de desobedecer à lei.

jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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