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RUY CASTRO
Cego e a qualquer custo
RIO DE JANEIRO - Certa noite,
há dois ou três anos, em Paraty, faltou luz em plena Flip. Por alguns
segundos, ninguém enxergava ninguém na rua. Mas a literatura está
habituada a se virar nas trevas, e o
pessoal não se apertou. Milhares
acenderam seus celulares e, para
quem via de longe a cena, pareciam
chusmas de vaga-lumes no breu.
Além disso, nesses românticos burgos, meio praianos, meio rurais, o
brilho das estrelas dispensa a luz da
Light, ainda mais em julho. Namoros e sabe-se lá quantos flertes brotaram daquela noite.
No Rio, com os apagões à luz do
dia, em horário comercial e a 35
graus de temperatura, as chances
de romantismo são poucas. Os donos dos botequins descabelam-se
ao perder seus estoques, as sorveterias precisam liquidar o sorvete antes que ele derreta e os quiosques
são obrigados a vender coco quente.
Um cabeleireiro teve de terminar
na calçada a barba de seu cliente e
meu dentista foi interrompido com
a broca dentro do canal de uma antiga super-estrela da TV.
O modelo econômico implantado
há alguns anos no país permite que
qualquer família, mesmo com salário, habitação, saúde, transporte e
educação nota 3, tenha em casa micro-ondas, laptop, TV a cabo, ar
condicionado, freezer, amplificador, sub-woofer, caixas de som, enceradeira, liquidificador, batedeira
de bolo etc. Isso é ótimo, e eu também me beneficio. Mas tem um
custo.
O custo é a energia que, para
acompanhar essa avalanche consumista, precisa ser produzida em escala cada vez maior. Estará sendo?
Algo parecido se dá com a indústria
automobilística: com tanta facilidade para se comprar um carro, a frota nas ruas duplicou sem que nossas
pobres cidades estivessem preparadas para absorvê-la.
Pelo visto, voltamos aos tempos
do "desenvolvimento" cego e a
qualquer custo.
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