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Os Jetsons
OTAVIO FRIAS FILHO
Para a geração que está hoje na
meia-idade ou nos arredores dela, o
ano 2000 sempre foi um marco, um
divisor de águas, uma data cabalística
nítida, embora longínqua nas brumas
do futuro. Difícil encontrar quem, ao
menos nessa geração, não soubesse de
cor, desde criança, que idade teria
quando ela chegasse.
De modo sorrateiro, imperceptível,
injustificável até, ela está aí, a uma distância menor que 48 horas. Não
adianta lembrar que o milênio ainda
demora um ano para terminar; tudo
são símbolos, e o símbolo máximo,
em matéria de datas, é a cifra redonda
e mágica na qual se projetaram tantas
fantasias.
Quem assistia televisão nos anos 60
formou sua primeira imagem do ano
2000 com o desenho animado "Os Jetsons", antigo sucesso que ainda hoje
pode ser visto em horários museológicos que ninguém frequenta. Na perspectiva da época, porém, o seriado parecia vibrante e futurista.
Espaçonaves em vez de carros, tubos
de sucção em vez de elevadores, refeições instantâneas, portas automáticas,
videofones: tudo parecia asséptico,
funcional e moderno. Quase todas as
engenhocas já eram tecnicamente
possíveis, embora inviáveis economicamente, na época.
Mas o seriado era conservador, imobilista. Reproduzia a vida de uma família de classe média americana tal e
qual ela transcorria no começo dos
anos 60, modernizando apenas os
apetrechos. Havia até mesmo uma
empregada doméstica que, embora
fosse um robô, usava avental de rendinhas.
Era o mesmo procedimento adotado em outro desenho do período, "Os
Flintstones", este ambientado na Idade da Pedra. Os carros, por exemplo,
não tinham piso e eram movidos pelas
próprias pernas dos usuários; a agulha
dos toca-discos era o bico de um pássaro amarrado ao braço do aparelho.
Os desenhos futuristas dos anos 60
não foram capazes (ou não se deram
ao trabalho) de prever as maravilhas
tecnológicas da nossa era, o celular, a
Internet, a TV a cabo e o CD. Estavam
mais preocupados em ilustrar a vida
no ano 2000 com pirotecnias de apelo
visual ou humorístico.
Não existem negros nesses desenhos
(homossexuais, nem se fala), nem
multiculturalismo, nem a caótica diversidade de roupas, cabelos, estilos
musicais e formas de entretenimento
que ostentamos como orgulho da
nossa época de pluralismo, "criatividade" e ampliação da democracia.
Antes de condenar sua ingenuidade,
entretanto, deveríamos reconhecer os
dons proféticos de seus autores. PoisJetson, seu homem do ano 2000, é um
infeliz metido num trabalho tedioso
numa firma qualquer, espremido entre o pavor ao desemprego e uma família compulsivamente consumista.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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