São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

O BC joga os búzios

SÃO PAULO - Logo após a desastrada decisão do Banco Central de não reduzir os juros, seu presidente, Henrique Meirelles, viajou para Davos, onde admitiu que houvera uma porção de "ruídos" a respeito da decisão, mas que ele preferia ficar com um deles: o dos mercados.
A calma com que os mercados teriam reagido, disse Meirelles, indicaria que o BC estava correto em sua cautela. E agora, José, digo Henrique? Os mercados se agitaram como fazia tempo não se via. Significa que o BC estava errado pela lógica de seu próprio presidente?
Claro que não. Alguém já viu uma autoridade graúda admitir francamente que errou? O erro está nos mercados, que não "leram" direito a ata com a qual o Copom (Comitê de Política Monetária) faz de conta que explica a decisão.
A ata do Copom nada explica. Diz, por exemplo: "A maior variação da inflação em dezembro pode significar apenas um evento isolado, provocado por motivos sazonais ou extraordinários, ou prenunciar uma aceleração persistente da inflação".
Equivale a dizer que o jogo pode terminar com a vitória do time A, do time B ou em empate. Ridículo.
A nota diz ainda que a "maior cautela" adotada, ao não reduzir os juros, "não acarretaria riscos significativos para o processo de recuperação da atividade em curso desde o terceiro trimestre de 2003".
Ora, se a cartilha do BC (e da Fazenda) diz que a queda do risco-país, do dólar e dos juros assenta as bases para o crescimento da economia, pela mesma lógica só se pode concluir que o aumento do risco-país e do dólar e a não-redução dos juros têm, sim, efeito sobre o crescimento. Repito: pela lógica do Banco Central e da Fazenda, que passaram o ano vendendo essa baboseira ao público.
Na prática, é o seguinte: o BC brasileiro faz de conta que é o Fed norte-americano, mas toma suas decisões, a julgar pela ata agora divulgada, com o mesmo critério científico do jogo de búzios.


Texto Anterior: Editoriais: EM NOME DA VIDA

Próximo Texto: Brasília - Igor Gielow: Um Sudão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.