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Lula no Chile
Tão perniciosa quanto o ultramercadismo, que lançou a economia global nesta crise, é a ideologia do "governo forte"
NÃO É sempre que uma
cúpula com chefes de
Estado produz um
atrito do porte do "Por
qué no te callas", desferido pelo
rei da Espanha contra o presidente da Venezuela no fim de
2007. No mais das vezes, o clima
desses encontros transcorre entre o previsível e o soporífero.
Não fugiu do padrão a reunião
entre líderes da chamada "governança progressista" -políticos
de centro-esquerda que repaginaram o termo original, Terceira
Via-, ocorrida neste fim de semana em Viña del Mar, no Chile.
O modo de pregações para convertidos só foi ameaçado por um
leve incômodo envolvendo o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e o vice dos EUA, Joe Biden.
O americano pareceu retrucar
a defesa, feita pouco antes pelo
brasileiro, de um "Estado forte".
"Não devemos exagerar", afirmou Biden, "os mercados livres
ainda precisam funcionar". Logo
a seguir, glosou célebre "boutade" da política americana: "Precisamos é salvar os mercados dos
livre-mercadistas" -a frase original, atribuída a Franklin Roosevelt, fala em preservar o capitalismo dos capitalistas.
Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão "Estado forte" tem conotação negativa na sociedade
americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama,
evita empregá-la. Se Lula tivesse
saltado o termo e partido para a
explicação que deu a seguir -um
"Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na
prestação de serviços"-, não teria havido dissonância.
Fora das platitudes dos discursos protocolares, entretanto, autoridades do governo Lula dão sinais de que não entenderam as
características desta crise e seus
impactos na região. Um dia antes
da intervenção do presidente, no
mesmo Chile, um assessor do
Planalto fez elogios ao populismo sul-americano, incorporado
em governos como os de Chávez,
na Venezuela, Morales, na Bolívia, e Correa, no Equador.
Eis aí, despidos de eufemismos, exemplos acabados de "Estado forte": centralização crescente de poder e arbítrio, parasitismo das fontes locais de renda,
repúdio ao capital externo. Tamanha "fortaleza" enfrenta agora os desafios do subdesenvolvimento institucional: o efeito da
queda na renda das exportações
não tem como ser temperado
com políticas antirrecessivas -e,
num quadro institucional rarefeito, da crise econômica se passa
facilmente à trepidação política.
Tão perniciosa quanto o ultramercadismo que, descontrolado,
lançou a economia global numa
derrocada vertiginosa é a ideologia do "governo forte". As intervenções estatais em curso, embora vultosas, serão vistas num
futuro próximo como episódio
excepcional numa trajetória secular de progresso material, assegurado pelo funcionamento
dos mercados.
Ignorar essa perspectiva seria
um erro estratégico -quanto
mais para um país como o Brasil,
que necessita ampliar a penetração de instituições de mercado
em setores ainda atrasados de
sua economia.
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