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JOSÉ SARNEY
O fim dos direitos individuais
A TEORIZAÇÃO da arte da política começa com Aristóteles. Ele foi o primeiro a querer saber tudo sobre o seu tempo e
como os homens faziam para gerir
essa máquina do tempo. Baixinho e
careca, não lhe faltava senso de humor. Contam que lhe indagaram
por que gostava de belas mulheres,
e ele respondeu que só um cego lhe
indagaria isso.
Mas larguemos as mulheres e
voltemos à política, a arte de harmonizar conflitos, já que é mais esta do que ciência. Hitler tinha horror à política. Na tentativa de evitar
a Guerra Mundial, um seu general
disse que era chegada a hora da política e ele respondeu: "abomino a
política". O ser autoritário é sempre amargurado com a política: o
move a força como solução e, para
alcançá-la, veste-se do ressentimento, da inveja, do puritanismo,
como uma máscara para esconder
a hipocrisia.
O conde Afonso Celso, que escreveu um livro delicioso sobre os
anos que passou no Congresso,
conta que dois grupos eram constantes em cada legislatura, embora
mudassem os seus integrantes: os
que viviam à custa da honra da Casa e os que faziam política à custa
da honra dos colegas. Em geral,
eram sepulcros caiados.
Foi Lênin quem aplicou como
método as leis da guerra à política.
Ele não a via como um instrumento democrático para a conquista do
poder, mas como uma disputa cuja
finalidade não era o jogo das ideias,
e sim, como na guerra, uma luta entre inimigos não para vencer o adversário, mas exterminá-lo -e
nisso toda crueldade devia ser usada. Daí o pensamento dele tão
divulgado de que os fins justificam
os meios. Quem lê os seus textos
sobre o uso do terror fica arrepiado, porque seus exemplos são buscados nos piores momentos do terror da Revolução Francesa, em
1793/94.
Hoje, com a sociedade de comunicação, os princípios da guerra
aplicados à política são mais devastadores do que a guilhotina da praça da Concorde. O adversário deve
ser morto pela tortura moral disseminada numa máquina de repetição e propagação, qualquer que seja o método do vale-tudo, desde o
insulto, a calúnia, até a invenção
falsificada de provas.
Como julgar uma democracia
em que não se tem lei de responsabilidade da mídia nem direito de
resposta, diante desse tsunami
avassalador da internet e enquanto
a Justiça anda a passos de cágado?
Como ficam os direitos individuais, a proteção à privacidade, o
respeito pela pessoa humana?
Há alguns anos discutimos esses
temas numa Conferência das
Nações Unidas em Bilbao. Conclusão: saímos todos certos de que
acabou a privacidade e os direitos
individuais estão condenados a serem dinossauros de letras nas
Constituições.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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