São Paulo, Terça-feira, 31 de Agosto de 1999
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Romper o sítio


É preciso fazer com que os ajustes levem em conta os resultados na vida dos cidadãos


ALBERTO GOLDMAN

Por todos os lados o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso vem sendo atacado. Enquanto o Plano Real mostrava resultados positivos evidentes -inflação quase zero, produção e consumo em crescimento, médias salariais em alta e, principalmente, atendimento às massas da população que, no passado, suportaram com seu sacrifício os benefícios que poucos puderam apropriar-, o governo pôde comemorar o apoio popular, político e eleitoral.
A partir do momento em que contingências internacionais e erros na condução da política econômica deram um ponto final ao modelo, vale dizer, o esgotamento da capacidade propulsora do Real, reacenderam-se os instintos cruéis da elite dominante, assustada com o fato de ter de abrir mão de vantagens obtidas durante décadas de nossa história.
Rearticulam-se as forças mais retrógradas da sociedade, associadas à parcela do empresariado que pratica o capitalismo sem capital, dependente de subsídios, incentivos, reservas de mercado e financiamentos, e aliadas às corporações funcionais do setor público que mamam nas tetas dos fundos de pensão e são beneficiadas pelas aposentadorias privilegiadas, tudo subvencionado pela miséria do povo. Junto com essas forças e, às vezes, como seus porta-vozes, os grupos de oposição política, jogando no "quanto pior, melhor".
O esgotamento do Plano Real e a incapacidade do governo de dar respostas imediatas diante do novo panorama -inflação, ainda que limitada, desemprego, crescimento zero-, associados à inconsistência da base parlamentar, seja pela perspectiva eleitoral futura, seja pelo salve-se-quem-puder presente, abriram as portas para um conjunto de pressões e reivindicações impossíveis de atender, que põe em risco todas as conquistas obtidas.
E o povo, a maioria, presa de frustrações com a situação, fica imobilizado, assistindo àqueles que sempre foram seus algozes ou os respaldando.
Isso consubstancia um quadro de crise mais política que econômica, aquela turbinando esta. Por isso, independentemente de ações no campo econômico, passíveis de ajudar a romper com a estagnação, é preciso dar um tratamento político à crise atual. "Político" com o significado de ação humana que busca o bem-estar da grande maioria da população.
Nesses termos, é preciso subordinar a economia à política. Fazer com que os ajustes necessários -o ajuste fiscal, a reforma do Estado, o papel do setor financeiro privado e estatal- se realizem levando em conta os resultados no curto, médio e longo prazo na vida dos cidadãos, particularmente na daqueles que durante décadas não foram o objeto das ações de governo.
Essa é a forma de rompermos o sítio que as elites impuseram ao governo, obrigando-o a se manter na defensiva. Não se trata de anistiar devedores no meio rural, mas de impedir os juros abusivos e garantir recursos para a produção agrícola; não se trata de limitar a Previdência dos que pagam e não recebem a contrapartida devida, mas de exigir que os que obtiveram e obtêm privilégios passem a contribuir na proporção de seus benefícios; não se trata de impedir o acesso de grandes empresários ao sistema financeiro, mas de obrigar os que mais lucram a contribuir para o acesso dos pequenos aos instrumentos que lhes permitam produzir; não se trata de impor mais impostos e taxas àqueles que já pagam, mas de construir um sistema que impeça que os que não pagam continuem a fazê-lo.
Em suma, é preciso diminuir a brutal injustiça que existe em nossa sociedade para que todos possam usufruir da riqueza produzida e, com isso, alavancar a produção e o consumo, geradores de emprego e renda.
A luta é difícil, mas as forças políticas conscientes e saudáveis devem estar prontas para encetá-la no nosso sistema presidencialista, com a imprescindível liderança do presidente da República.


Alberto Goldman, 61, é deputado federal pelo PSDB-SP e vice-presidente da Executiva Nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).



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