São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Mudança para o mesmo

RIO DE JANEIRO - Devemos louvar o clima civilizado e patriótico que está marcando este início de transição, em especial o afetuoso encontro do presidente eleito com seu antecessor.
Dando aos césares o que é dos césares, vamos dar também algo a Deus ou ao Demônio. O legítimo entusiasmo popular com a vitória de Lula representará realmente uma mudança de prioridades ou apenas de indivíduos? Especula-se há muito sobre os veios subterrâneos que ligaram o PT ao PSDB desde as suas origens.
A dobradinha de agora -FHC e Lula- formou-se há tempos, nas lutas sindicais dos tempos do autoritarismo, nas campanhas e nas mobilizações que marcaram o fim do regime militar. Quando FHC foi eleito, também ele era um fato novo. Em busca da governabilidade, foram assumidos compromissos tais e tantos que o eleito foi obrigado a dizer ou a deixar que dissessem por ele: "Esqueçam o que escrevi".
Acredito que Lula nunca irá pedir para que esqueçamos o que ele sempre falou. Durante a campanha, ele foi obrigado a alianças e a compromissos em nome da elegibilidade. Elegeu-se estrondosa e merecidamente.
O problema dele será agora o da tal governabilidade. Já foi dito que não se faz revolução sem os radicais, mas é impossível governar com eles. Lula chega ao poder sem revolução. A classe operária não está indo para o poder, a despeito de um ex-operário ter sido eleito com limpidez sem igual em nossa história.
Estranho o tom com que estão saudando uma nova era. Para os mais entusiastas, o Brasil vai começar agora, devemos mudar até o nome dos meses e a contagem do tempo, como aconteceu na Revolução Francesa: termidor, pluviário etc.
Como aquele velhinho do extinto Iseb, no início dos anos 60, diante de tamanha facúndia, levanto o dedo e digo: Tá tudo muito confuso, temo que não dê certo.


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