São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Saúde JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Na alvorada de um novo governo, que priorizará as políticas públicas, é oportuno refletir sobre a complexa questão da saúde brasileira com
um olhar neutro, histórico e estrutural,
para suscitar discussão informada das
estratégias que serão propostas e implementadas.
O sistema deve ser avaliado, também, pelas suas características de acolhimento e acesso; e aí as dificuldades são dramáticas. Em alguns hospitais de referência, o sistema público se protege com vernizes de modernidade, através da marcação de consultas por telefone e informatizada, jogando a demanda reprimida para dentro das casas dos indefesos doentes pobres, que acabam procurando o sistema de saúde só em situações de desespero. Prova disso está em São Paulo, onde, em 2001, houve 652 mil atendimentos ambulatoriais e 1,2 milhão de emergências -um absurdo. Não é à toa, portanto, que no IDH estamos em 69º lugar e em situação ainda pior na saúde. O próprio capitalismo internacional percebeu que exagerou. Em estudo apresentado por J. Sacks, no Fórum Econômico de Nova York este ano, concluíram que, com US$ 57 bilhões a mais por ano em saúde, os países em desenvolvimento poderiam evitar a perda de 330 milhões de anos de vida produtiva e de US$ 186 bilhões. É tudo muito constrangedor, mas mostra que na saúde se encontra a maior oportunidade de progresso social, se a administrarmos bem e saltarmos o fosso entre tudo o que sabemos e podemos fazer e o pouco que fazemos, principalmente aos usuários do SUS. Um bom recomeço seria respeitar a Constituição de 88, valorizar os recursos humanos e aplicar um pouco mais de recursos financeiros sem impostos em cascata, como o da CPMF, que acabou por não aumentar as verbas da saúde, ou a emenda constitucional nº 29, de 13/09/00, que está na direção correta, porém é lenta e insuficiente. Mas, acima de tudo, usando-os com competência e criatividade, descentralizando-os para os gestores locais, com avaliação e supervisão contínuas e acabando com a promiscuidade entre público e privado, sempre lesiva para o primeiro, traçando uma linha honesta, sem maniqueísmo, entre um e outro. Existem exemplos de que isso é possível. O discurso preventivo precisa deixar de ser excludente (prevenção barata para os pobres, mercadoria de difícil acesso para a classe média e sofisticada para os ricos), deixar de ser parcial, vertical e episódico e virar uma atenção primária moderna e eficiente nos centros de saúde, com integração de ações e delegação de funções, para permitir a integralidade e a universalidade. Em duas palavras: estruturar o sistema, fazendo da atenção primária seu ponto nevrálgico, e descentralizá-lo, assumindo o ministério e secretarias estaduais o papel normatizador e controlador perdidos. Quando isso ocorrer, os agentes de saúde e o programa Médico da Família ganharão em eficiência, pois terão como referenciar os tratamentos mais complexos; epidemias serão prevenidas e mortalidades como a materna ou por certos tipos de câncer tenderão a sumir. Saúde não é coisa barata nem simples, e não é possível fazer milagres. Precisamos de uma política que se desprenda dos jogos político-partidários, com princípios universais e prática nacional, não apenas reagindo aos fatos de forma emergencial, mas com programação estrutural que se antecipe a eles para garantir a ética e a eficiência do sistema privado e a organização e o aprimoramento do sistema público, que é pré-pago pelos impostos. José Aristodemo Pinotti, 67, professor titular e chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, foi eleito deputado federal pelo PMDB-SP. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Rodolfo Konder: Os deuses da destruição Índice |
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