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TENDÊNCIAS/DEBATES
O combate à violência no Rio de Janeiro
passa pela legalização das drogas?
NÃO
O mito da legalização das drogas
BO MATHIASEN
O QUE é preciso ser feito para
diminuir a violência nos centros urbanos do país?
A solução passa pela ação do Estado
em retomar os espaços que hoje estão
negligenciados e que, por isso, são
ocupados por poderes paralelos, a fim
de devolver a cidadania às pessoas
que vivem sem a proteção da lei, como reféns do crime organizado.
A relação entre violência, crime organizado e tráfico de drogas é um tema complexo e, como tal, não permite
soluções simplistas, por vezes até
oportunistas, que costumam aparecer principalmente nos períodos de
extrema violência, quando a população se sente mais fragilizada.
Uma dessas propostas é o mito de
que legalização das drogas acabaria
com o crime organizado.
Não se pode negar que o crime organizado tem como uma de suas sustentações financeiras o tráfico e a
venda de drogas ilícitas. Parte considerável dos recursos do crime tem relação direta ou indireta com elas.
Do ponto de vista "empresarial", o
crime organizado irá sempre procurar as oportunidades mais rentáveis.
Sequestro, tráfico de armas e de pessoas, jogo ilícito, falsificação de medicamentos, contrabando, pedofilia, extorsão, lavagem de dinheiro -todos
eles financiam o crime organizado,
que também engloba o comércio de
drogas, mas que não pode ser colocado como consequência dele.
Se, nos anos 1920 e início dos anos
1930, a principal atividade econômica
do crime organizado nos EUA estava
baseada no contrabando de álcool,
proibido pela Lei Seca, com a legalização dessa substância, o crime organizado não deixou de existir -apenas
mudou de ramo.
O debate sobre a legalização tira o
foco de questões mais importantes.
Uma delas é o entendimento de que a
repressão ao tráfico seja focada prioritariamente no crime organizado,
nos grandes traficantes e nos financiadores do tráfico, limitando, de forma efetiva, o acesso às drogas ilegais.
Nesse sentido, não adianta apenas
prender os pequenos traficantes, peças facilmente substituíveis na engrenagem do crime organizado. É preciso identificar e tirar de suas posições
de comando os verdadeiros líderes
dessa engrenagem.
Da mesma forma, encarcerar usuários que não têm relação direta com o
crime organizado não é a solução
mais adequada. Quem usa drogas precisa de acesso à saúde e à assistência
social, não de sanção criminal.
Há uma tendência em alguns países
de descriminalizar o consumo, ou seja, tirar a pena de prisão para usuários
de drogas e pequenos traficantes,
aplicando-lhes sanções alternativas.
Essa tendência não afronta as convenções internacionais sobre o controle de drogas, que contam com a
adesão universal dos países-membros das Nações Unidas. As convenções apontam quais são as substâncias que são ilegais, mas sua forma de
aplicação é questão de decisão soberana de cada país.
Se a legalização das drogas não traria vantagens em termos de redução
do poder do crime organizado, por
outro lado, poderia ter consequências
negativas incalculáveis, principalmente em termos de saúde pública.
Por isso, nenhum país está propondo
a legalização das drogas ilícitas.
Além disso, os países que caminham em direção a descriminalizar o
uso, evitando a pena de prisão a usuários, investem maciçamente em prevenção, assistência social e ampliação
do acesso ao tratamento.
Nesse sentido, o debate relacionado às políticas sobre drogas não deve
ser pautado somente sob a ótica da
Justiça e da segurança, mas deve também incluir a perspectiva da saúde, da
educação, da assistência social e, em
um sentido mais amplo, da construção da cidadania.
E, nesse caso, fala-se principalmente da cidadania das pessoas que vivem
em regiões nas quais não há a presença permanente do Estado. São pessoas que não se sentem amparadas
pela lei e que ficam à mercê de lideranças paralelas efêmeras e muitas
vezes imprevisíveis e tiranas.
Em vez de simplesmente propor a
legalização de substâncias ilícitas (e
prejudiciais à saúde), é preciso concentrar esforços para reocupar essas
áreas e libertar as pessoas que vivem
sob o domínio do crime organizado.
BO MATHIASEN , 45, dinamarquês, é o representante do
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
(UNODC) para o Brasil e o Cone Sul. É mestre em ciência
política e economia pela Universidade de Copenhague e
especialista em desenvolvimento econômico pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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