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ALBA ZALUAR
Presente do bem
UMA DAS BUSCAS da humanidade é se opor sem se
massacrar, e se dar sem se
sacrificar. Segundo Marcel Mauss,
aqui estaria um dos segredos permanentes da sabedoria e da solidariedade nos povos primitivos.
No entanto, é na história recente, especialmente na cristandade,
que o dar torna-se um imperativo
renovado a cada ano. Sem falar do
hibridismo pagão-cristão de Papai
Noel, nem do consumismo desenfreado desta época do ano, ainda
resta lembrar que a reciprocidade
dar, receber, retribuir continua
presente nas sociedades contemporâneas.
O presente, quando dado para
criar, reforçar ou expressar relações afetivas, tece laços sem os
quais não existe sociedade nem comunidade. Mas o presente pode estar envenenado; pode esconder um
exército armado para vencer pela
destruição um inimigo nunca esquecido. O presente, por criar dívidas, também pode ser usado para
escravizar e manipular os mais fracos. No Natal, a idéia talvez seja livrar os humanos do lado perverso
do presente.
Para conseguir isso, é preciso
lembrar sempre que Cristo sofreu
e morreu por toda a humanidade,
numa tentativa de apaziguá-la.
Naquela época, as coletividades
se uniam para delas extirpar os estranhos que supostamente ameaçavam a ordem interna. Seus instrumentos eram os linchamentos
físicos e morais, o terrorismo, os
genocídios ou as limpezas étnicas.
Então o mal era atribuído a qualquer coisa ou pessoa, quase sempre
inocente, que pudesse ser colocada
no lugar do contágio a ser evitado.
Então?
Todo ano, a troca de presentes
tem o objetivo de afastar o mal de
forma positiva, pelo exercício do
bem. Todo ano, a casa de cada festa
torna-se o lugar do encontro com o
amor, "pois não é no templo, na pedra, nem no sábado que se garante
a presença de Deus", ou seja, do
amor e da justiça. "É abraçando o
irmão que vejo que abraço a Deus,
que não vejo."
Ainda falta muito para que, ao
sair de uma dessas festas abarrotadas de pessoas e presentes, não me
depare com um menino de quatro
anos num farol pedindo esmola. De
gorro de Papai Noel, perto da árvore de Natal da Lagoa. Não deu para
abraçá-lo nem presenteá-lo: tive
medo. Mas "se encontrardes um irmão em necessidade e fechardes o
coração, como poderá estar nele o
amor de Deus?"
E o muito que falta pode ser feito
pela ação do Estado e seus (bons)
serviços públicos, inclusive os programas de combate à pobreza que
não contenham o veneno da manipulação política. Mas também pelas suas instituições de pena e castigo em nome de toda a sociedade,
superando a vingança pessoal e de
pequenos grupos, sempre a escolher bodes expiatórios inocentes.
ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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