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Sabatina - Fernando Henrique Cardoso

Dilma não é ingênua de achar que boa relação exclui crítica, diz FHC

Ex-presidente afirma que relação com Lula é histórica: 'Nós dois marcamos a história do país'

Tucano defende descriminalizar quem pratica aborto, além de usuário de droga, e evita temas pessoais

DE SÃO PAULO

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 80, disse ontem que a presidente Dilma Rousseff foi "generosa" com ele, mas não é "ingênua" de achar que isso vá evitar críticas ao seu governo.

FHC definiu sua relação com o sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, como "antiga" e "histórica", sujeita a "alfinetadas" de ambos os lados.

O tucano, que acaba de lançar o livro "A Soma e o Resto" participou de sabatina Folha/UOL, no Teatro Folha. Foi entrevistado por Ricardo Balthazar, editor do caderno "Poder" da Folha, pelos colunistas Mônica Bergamo e Vinicius Torres Freire e pelo gerente de notícias do UOL, Irineu Machado.

Apesar do tom ameno empregado para se referir à relação com os dois sucessores, FHC fez críticas à forma como o PT governa. "O PT deturpou as instituições. Nisso divergimos completamente."

Para ele, a corrupção está banalizada. "Por que todo mundo lembra do mensalão? Porque o Roberto Jefferson teatralizou o mensalão."

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Lula
Minha relação com o Lula é antiga. Às vezes ele me dá uma alfinetada, eu dou outra nele. O motivo de eu citá-lo muito no livro, óbvio, é histórico. Ele foi presidente, eu fui presidente. Depois da redemocratização, eu e ele fomos quem mais tempo ficou governando. De uma forma ou de outra, marcamos a história contemporânea do Brasil.

Dilma
A Dilma foi generosa. O que, para ela, é mais difícil que para mim. Porque a política que havia era de destruição e, quando eu fiz 80 anos, ela mandou uma carta generosa. E eu agradeci, obviamente. Não acho que haja uma intenção política maior. A política vai depender de outros fatores: qual a relação dela com o país, a economia, a política, o próprio partido dela. Ela não é ingênua de achar que porque tenho uma boa relação com ela isso muda minha opinião crítica sobre o governo.

PSDB
Passou a ser um pouco repetitivo dizer que o PSDB não tem saída. O projeto que está sendo posto em marcha é o nosso, mas nós não concordamos com a maneira como estão fazendo. Há uma certa má vontade [com a oposição]. Politicamente há muita diferença [entre PSDB e PT]. O PT deturpou as instituições.

Comunicação
Eu acho que esse é o grande desafio contemporâneo [como partidos devem se comunicam com a sociedade]. Veja o que está acontecendo no mundo árabe. Essas novas formas de comunicação, em sociedades fechadas, podem produzir uma explosão. Quer que eu fale pedantemente? Tem que juntar Rousseau com Montesquieu. É juntar a vontade geral, que se expressa, com a ideia da representação.

Erros no governo
Depois da obra feita, você começa a achar que a janela devia ser do outro lado... No governo é a mesma coisa. Por isso, quando me refiro aos governos atuais, sou mais cuidadoso. Não digo: 'Devia ter feito isso', porque eu sei que devia, mas não sei se pôde. Posso desfiar vários erros, mas prefiro falar dos acertos.

Acusações
O autor desse livro ["A Privataria Tucana", do jornalista Amaury Ribeiro Jr.] está sendo processado, está na Polícia Federal. Então, eu vou esperar o resultado do processo. Até lá, quem está sub judice é ele.

ONGs
O problema é a proliferação das ONGs e os convênios que o governo está fazendo sem fiscalização. A quantidade de dinheiro que está sendo passada sem controle é gigantesca. Aqui descobriram ONGs como instrumento de assaltar o Estado.

Corrupção
A essa altura, já deveria haver alguma reação. Em qualquer país do mundo, se você passa o ano se livrando do entulho do ano passado, é porque alguma coisa está errada. Mas o grosso da população não está prestando atenção. No fundo, não tem o responsável individualizado. 'É todo mundo ladrão.' Isso é ruim.

Mensalão
Por que nós todos sabemos o que é o mensalão hoje? Porque o Roberto Jefferson teatralizou o mensalão. O Lula, quando foi posto na parede, disse: 'Vou brigar'. Foi decisivo para dissipar o mensalão.
Minha visão é a seguinte: Lula simbolizou a subida ao poder de um líder sindical. Você derrubar do poder um líder sindical popular, ainda que legalmente tenha argumentos, cria uma fenda no país, que vai durar dezenas de anos. Isso deixaria uma marca: 'Tá vendo, a elite não o aceita', quando não tinha elite coisa nenhuma. Quem tem responsabilidade histórica tem que ter noção da repercussão dos seus atos a longo prazo.

Namoro
Olha se isso é pergunta [se está apaixonado]! Eu sou um ser humano como todos os outros. Ao mesmo tempo, sou um líder político. Não acho que a gente deva confundir os dois planos. Se estou apaixonado ou não, é problema meu.

Drogas
Em certas áreas da América Latina isso [tráfico de drogas] está abalando as instituições democráticas. Veja o México. Quando o presidente Calderón deixar o mandato, 50 mil pessoas terão morrido. É a mesma coisa que o Vietnã.
Tem que mudar o paradigma. Em vez de concentrar na repressão, concentrar em redução do consumo. O usuário não pode ser posto na cadeia. No caso da maconha, eu acho que deve-se dar um passo a mais. Quando você legaliza você pode controlar.

Aborto
Crime não pode ser. Vou botar na cadeia quem aborta? Tá louco! Não sou a favor que se faça aborto, mas criminalização, não. Não tenho problema de falar o que eu acho. Vou prestar contas daqui a pouco. Lá em cima ou lá embaixo, que é aí que tenho medo.

Religião
Uma posição totalmente racionalista é irracional. Há um lado da experiência humana que é misterioso. Sou cartesiano com pitada de candomblé.

Saudade
Eu descobri que quando você tem uma relação forte com uma pessoa, no meu caso com a Ruth, com quem convivi 60 anos, ela não vai embora. Há dentro de você um termo de referência. A Ruth continua sendo um apoio pra mim.

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