Turbulência política cresce porque governo não governa, diz Delfim
Para ex-ministro da Fazenda, ajuste fiscal ficará mais difícil com perda do grau de investimento
Economista afirma que único programa social intocável é o Bolsa Família, e Dilma precisa definir prioridades
Para o ex-ministro Delfim Netto, a atitude de mandar ao Congresso um Orçamento com deficit em 2016 –que levou à perda do grau de investimento pela agência Standard & Poor's– foi "uma incompetência política dramática", e o governo deve enfrentar ainda mais turbulência política no futuro.
"Os juros e o câmbio vão subir e vai aumentar a volatilidade do mercado, porque a credibilidade interna e externa ficou comprometida."
O economista também afirma que o único programa social intocável é o Bolsa Família. "Não é possível que tudo seja prioridade", diz Delfim, que foi ex-ministro dos governos militares, conselheiro informal de diversos presidentes na redemocratização e é colunista da Folha.
Folha - O governo deveria ter cortado gastos sociais para fechar o rombo no Orçamento?
Delfim Netto - Só tem um programa realmente importante: o Bolsa Família. Os outros têm que ser ajustados a disponibilidade de recursos.
Se o governo quer colocar o programa Minha Casa, Minha Vida como prioridade, tem todo o direito. Mas tem o dever de cortar algum gasto correspondente. Não é possível que tudo seja prioridade.
Qual impacto da perda do grau de investimento?
É algo grave, sério, mas não é o fim do mundo. No entanto, seguramente, indica que o ajuste fiscal vai ser ainda mais custoso.
Os juros e o câmbio vão subir e vai aumentar a volatilidade do mercado, porque a credibilidade interna e externa ficou comprometida. Não adianta fechar os olhos e dizer que as agências de risco não valem nada. Elas têm uma capacidade duvidosa, mas não adianta reclamar.
O ministro Joaquim Levy foi colocado no cargo para evitar o rebaixamento. Sua permanência está comprometida?
O Levy lutou bravamente para que isso não acontecesse. É um sujeito de caráter e, mesmo contrariado, sabe que faz parte de um governo. O Levy está imbuído de um sentido de missão e vai continuar lutando. Para mim, foram todos rebaixados: ministros, governo, o país.
Vamos ter mais turbulência política?
Sem dúvida. O Congresso reproduz a sociedade, mas se excita muito mais. Temos um problema muito sério dentro da base do governo. O PT não está de acordo com o programa do seu próprio governo. Ponto final. A base aliada toda está resistindo simplesmente porque o governo não governa. É algo espantoso.
O governo vem dizendo que não vai fazer mais nada e que vai esperar o Congresso mandar. Não há como se demitir da tarefa de assumir o protagonismo do processo.
O ex-presidente Lula tem dado declarações contra o ajuste fiscal. Na sua opinião, qual é o objetivo?
Lula está expressando o seu ponto de vista, dizendo que está ocorrendo desemprego. É verdade. Mas o desemprego não foi causado pelo ajuste, mas pela política equivocada. Por que você está fazendo o ajuste? Por que cometeu excessos extraordinários ao longo de 2014. O ajuste nem sequer teve efeito ainda. As despesas do governo continuam crescendo.
O senhor tem sugerindo que o governo deveria elevar a Cide para cobrir o rombo. Por quê?
O argumento contra a Cide é que vai subir a inflação. Chega a ser infantil. Teremos uma inflação de 10% com ou sem Cide. Com o aumento da Cide, vamos resolver um problema gigantesco, não só nas contas públicas, mas no setor sucroalcooleiro, destruído junto com a Petrobras.
A Cide é um imposto que vai na direção correta de proteger o ambiente, porque incentiva a substituição de gasolina por álcool. Hoje há cerca de 80 usinas em estado de calamidade. Se recuperarmos 60% delas, ampliaremos emprego e produção.
O que mais deveria ser feito?
A única cláusula pétrea na Constituição são os direitos individuais. O resto pode ser alterado. É preciso criar uma idade mínima para a aposentadoria e encontrar as regras de passagem.
Outro ponto é essa proposta da CUT que está presa há anos na Casa Civil, que regulariza o entendimento do trabalhador com o empresário, sob a vigilância do sindicato.
Vai dar uma enorme flexibilidade para que eles decidam o que é do seu interesse sem ouvir a Justiça do Trabalho, uma das áreas mais retrógradas do país.
Também é necessário resolver a reforma do ICMS.
Ou seja, o governo precisa dar uma demonstração clara de que vai mudar as restrições da economia que foram construídas por nós mesmos.
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folha.com/no1680627