Índice geral Poder
Poder
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Janio de Freitas

Gelatina de incertezas

Nada oferece certeza; a não ser o de sempre: a falta de hombridade com os deveres assumidos na política

AS GRANDES certezas propagadas, por inúmeros "especialistas", a partir da candidatura de José Serra à prefeitura paulistana, são tão gelatinosas ou etéreas quanto todas as demais antevisões em política brasileira. Aécio Neves candidato em 2014, Serra fixado no mandato integral de prefeito, centralização em São Paulo da política nacional neste ano, e tanto mais, não chegam nem sequer a pequenas certezas. São incertezas que prendem a presunção dos blá-blá-blás acadêmicos e, como dizem, midiáticos.

Está por aí: a candidatura de Aécio Neves à Presidência, pelo PSDB, passa a indubitável com a decisão de Serra de conformar-se à prefeitura paulistana. Mas Aécio Neves é inteligente, é moço e tem talento político. Sua candidatura não depende de Serra e do PSDB: depende das condições em que Dilma Rousseff se apresente à reeleição ou, se não for o caso, das condições de competição que se armem daqui até a eleição presidencial.

Aécio não tem por que ser aventureiro: concorrerá, ou não, se constatar razoável equilíbrio de possibilidades entre a sua e a candidatura de Dilma ou de quem for o seu competidor relevante. Do contrário, tem reservas de tempo e de habilidade para esperar. O vai não vai de Serra foi um pretexto que os "especialistas" engoliram, quando Aécio Neves deixou-lhe, e à titubeante liderança do PSDB, o campo aberto -para perder a disputa pela Presidência.

Se eleito, Serra cumprirá todo o mandato? Como todos os serristas farão, porque é necessário, Gilberto Kassab faz uma declaração afirmativa e enfática. Mas, claro, com a ênfase desse novo tipo macunaímico da política, criador de um partido que não é de centro, não é de esquerda nem de direita: logo, não é partido, é uma aglomeração. De fins oportunistas. Há três ou quatro dias, Kassab era tudo o que seu Lula mandar. É quase inacreditável que uma figura assim seja o que a principal cidade do país tem a oferecer, de novo, à política nacional.

O próprio José Serra, que deveria ser a palavra autorizada no tema, não tem amparo moral para abordá-lo. Seria lembrado, sem piedade, do compromisso escrito de não renunciar à prefeitura por ele abandonada mal passado o primeiro ano de mandato. Ainda que não viesse a repetir a renúncia para candidatar-se a governador, Serra não produziria uma surpresa se renunciasse para disputar outra vez a Presidência. Possibilidade diante da qual Eliane Cantanhêde recomendou, na Folha de domingo, "ter um pé atrás", recomendação significativa.

O governador Geraldo Alckmin, por sua vez, não empurrou Serra à toa, para a candidatura a prefeito. É suficiente lembrar-nos de que nenhum governador de São Paulo deixaria de aspirar à Presidência. Logo, só por aí o caminho de Aécio no PSDB não estaria tão liberado, com a recente decisão de Serra, quanto se lê e ouve. E Kassab, que saiu do colo de Serra para pôr Serra no colo, não fez o PSD à sua imagem só como alternativa de última instância para o parceiro.

Nada oferece certeza. A não ser o de sempre: a falta de hombridade com os deveres e compromissos assumidos na política. O prazo para inscrição de pré-candidatos do PSDB, a disputarem a preferência da prévia partidária, terminou há mais de uma semana. Serra não se inscreveu e não poderia mais inscrever-se.

Do alto do seu trono, Geraldo Alckmin decidiu burlar o prazo partidário e deu a Serra até o fim do Carnaval, para ver se conseguia decidir-se. Serra não cumpriu o prazo, só se manifestando cinco dias depois. Geraldo Alckmin ficou muito feliz.

As prévias foram marcadas para o próximo dia 4. Geraldo Alckmin dizia ontem, em benefício de Serra, que fazer "as prévias no dia 4 ou 11 é irrelevante". Na sua concepção, "a data é acessória". Mas não há irrelevância nem condição acessória. Há a palavra dada, a pessoal e a de governador. Há o compromisso com os filiados, com o partido, com o processo eleitoral que os brasileiros pretendem seja democrático, e não farsante e manipulado. Há conduta política decente ou não há.

E se nem prazos, esse compromisso mínimo, valem em respeito ao eleitor, nada mais precisa valer.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.