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Questões de ordem

MARCELO COELHO coelhofsp@uol.com.br

Um acordo "político"

Histórias diferentes podem ser contadas a partir dos mesmos fatos, e os fatos também podem ganhar nomes diferentes ao longo do caminho.

Parte relevante do julgamento do mensalão tem a ver com isso. Para os advogados de defesa, não se pode falar em "compra de votos".

Para a acusação, não há outro nome para descrever o fenômeno pelo qual determinado deputado recebe dinheiro num dia e vota com o governo no outro.

Um dos melhores exemplos dessa divergência interpretativa apareceu na sustentação de Marcelo Ávila de Bessa, que defende o ex-deputado Valdemar da Costa Neto, que era presidente do PL na época do mensalão.

O que havia, disse o advogado, e todo mundo sabe disso, era um "acordo político" entre o PT e o PL, para eleger a chapa Lula-José Alencar em 2002.

Não é segredo que PT e PL tinham ideologias bem diferentes. A imagem de Lula ainda estava associada a doutrinas estatizantes, hostis à livre-iniciativa.

Por isso mesmo, foi estratégica para o PT a escolha de um vice como José Alencar, empresário importante em Minas Gerais.

A história continua. Havia impedimentos sérios, no plano regional, a esse acordo entre PL e PT.

Tudo acabou se resolvendo na famosa reunião no apartamento funcional do deputado petista Paulo Rocha, em Brasília.

Enquanto Lula e seu vice foram conduzidos a outro aposento, na sala fez-se um acordo. Dos R$ 40 milhões previstos inicialmente para a campanha presidencial petista, cerca de R$ 10 milhões seriam repassados ao PL, para campanhas regionais.

O cálculo se fez em função das respectivas bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. Tudo isso é relatado pela defesa de Valdemar da Costa Neto, e, como diz o advogado, foi fartamente noticiado na época.

A questão é o nome que isso tem.

Foi um "acordo político", diz o PL. Dado o sucesso desse acordo, o PL tornou-se, não apenas um partido "da base aliada", mas um partido "no governo", e, como tal, seria absurdo que não votasse favoravelmente aos projetos do Executivo.

Não seria infiel aos fatos, entretanto, chamar esse "acordo político" de outra coisa: compra de apoio. Não fossem os R$ 10 milhões, a coligação não se viabilizaria.

Vale lembrar que os R$ 10 milhões, ou parte deles, não foram entregues na hora, mas sim aos poucos, já com Lula no governo e precisando de votos no Congresso.

Do ponto de vista jurídico e penal, pode-se discutir se isso se enquadra ou não no crime de corrupção. Mas, pela história contada pela própria defesa, fica difícil afastar uma conclusão: o PL vendeu seu apoio ao PT, e este o comprou, pagando a prestações.

Que se dê a isso o nome de "acordo político" é um daqueles escândalos que, de tão comuns no país, já nem chamam muito a atenção -e terminam até servindo para argumentar em favor da inocência dos envolvidos.

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