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Questões de ordem

MARCELO COELHO coelhofsp@uol.com.br

Dose dupla

Mesmo admitindo que a licitação foi correta, isso não elimina o fato de que João Paulo recebeu R$ 50 mil

Poucos fatos e detalhes ocuparam os ministros Rosa Weber e Luiz Fux, na sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal.

A severidade de ambos, os mais novos do tribunal, não foi a única surpresa. Esperava-se, na segunda-feira, um debate com réplicas e tréplicas entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Mas foi Rosa Weber quem tomou a palavra, dedicando-se mais a temas de doutrina.

Contrariando a tese dos advogados, Rosa Weber não acha necessário que se aponte o chamado "ato de ofício" no crime de corrupção passiva.

Ou seja, se o funcionário público recebe um favor ou uma propina, em função de seu cargo, será corrupto. Mesmo que não se aponte o que ele de fato fez, ou deixou de fazer, em troca do que recebeu.

Luiz Fux, num exemplo bastante prosaico, concordou. O guarda de trânsito que recebe dinheiro de um motorista pode até mesmo multá-lo depois. Continuará corrupto. A realização do ato de ofício ajuda como prova, mas não é condição insubstituível para a condenação.

Desaparece, nessa argumentação, a análise feita por Lewandowski sobre os detalhes da concorrência na Câmara dos Deputados, da qual saiu beneficiada a agência publicitária de Marcos Valério.

Mesmo admitindo que a licitação foi correta, feita sem influência direta de João Paulo Cunha, isso não elimina o fato de que ele recebeu R$ 50 mil, em espécie, através de cheque da agência SMPB, sacado por sua mulher.

Pouco importaram, para Rosa Weber, as notas fiscais exibidas pela defesa de João Paulo. Mostravam que os R$ 50 mil foram gastos em pesquisas eleitorais na região de Osasco; vieram por ordem do PT, portanto sem relação com a concorrência na Câmara.

Mas o uso que se faz do dinheiro recebido não muda nada. Aliás, notou a ministra, as notas fiscais importam sim. Apesar de o pagamento ter sido feito em várias etapas, com intervalo de tempo significativo entre elas, as notas vinham com números em exata sequência. Nada mais suspeito...

Provas! Pede a defesa. Rosa Weber lembra que, quanto mais alto o posto ocupado pelo corrupto, mais difícil é a obtenção de provas. Fez a analogia com o crime de estupro: nesse caso, o depoimento da vítima tende a ser levado em conta com mais intensidade do que o princípio da presunção da inocência.

Luiz Fux, num estado de animada loquacidade, foi além. As diversas versões apresentadas, como a do famoso pagamento para a TV a cabo, ajudaram na sua convicção da culpabilidade do deputado João Paulo.

Depois de citar o filme "Supremacia Bourne" e muitos juristas, Fux referiu-se a concepções mais recentes do direito, inspiradas no combate ao crime organizado.

Cito literalmente: "Não estamos naquela época em que os tipos penais tinham de ser exatos, em que a certeza tinha de ser absoluta."

Para expor a mesma tese condenatória, Rosa Weber exagerou menos na dose doutrinal.

Por razões de espaço, o resto da sessão fica para outra vez.

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