São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2010

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EUA relatam que FAB disse preferir F-18

Telegrama afirma que, para comandante da FAB, caça americano "era o melhor'; preferência do Brasil é por francês

Documentos vazados pelo WikiLeaks revelam bastidores do lobby norte-americano em concorrência bilionária


FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

O comandante da Força Aérea Brasileira, brigadeiro Juniti Saito, aparece em um despacho secreto da diplomacia norte-americana afirmando dar preferência aos F-18, aviões caça dos EUA.
Trata-se de referência a uma das maiores licitações da história da Aeronáutica, que pretende adquirir 36 aviões por um valor aproximado de R$ 15 bilhões.
A preferência do Palácio do Planalto é pelos equipamentos oferecidos pela empresa francesa Dassault, que fabrica o Rafale.
Em 31 de julho de 2009, o telegrama secreto assinado pelo então embaixador americano em Brasília, Clifford Sobel, dizia que Saito tomou a iniciativa de ter uma conversa reservada em jantar no dia anterior com o general Doug Fraser, comandante do Comando Sul.
Na conversa, Saito disse que "não existia dúvida, do ponto de vista técnico, de que o F-18 era o melhor avião". Esse caça é produzido pela Boeing.
"Voamos no equipamento norte-americano há décadas", relatou o brasileiro, segundo frase colocada entre aspas no despacho diplomático de Clifford Sobel.
"E sabemos que [o F-18] é confiável e que sua manutenção é simples e oferece bom custo/benefício por meio do sistema de vendas militares externas", continua o texto.
Como já se sabia naquela época da predileção do presidente Lula pelo Rafale, Saito se antecipou e fez um comentário. "Ele disse que os franceses não poderiam se queixar porque acabaram de assinar um contrato de US$ 14 bilhões com o Brasil (para submarinos e helicópteros)."
A única ressalva apresentada por Saito foi a respeito da transferência de tecnologia por parte dos americanos. Informou precisar de carta dos EUA se comprometendo com essa política.
Sobel afirmou acreditar que o documento estivesse em estágio final de aprovação. "Aliviado, Saito disse que precisava ter a carta em mãos até o dia 6 de agosto", descreve o telegrama.
Esse despacho diplomático ao qual a Folha teve acesso é um entre milhares obtidos pela organização não governamental WikiLeaks (http://cablegate.wikileaks.org/) . Além desse telegrama, a Folha teve acesso a vários outros que tratam da compra dos caças pelo Brasil
A Folha.com criou uma seção especial sobre os papéis: folha.com/wikileaks.
Há grande volume de telegramas relatando o esforço dos EUA a favor dos caças F-18, da Boeing.
Nesse documento no qual aparece Saito, ele conta que Barack Obama tratou do assunto diretamente com Lula numa reunião de cúpula do G8 na Itália, em julho de 2009. Esse lobby de Obama não ficou conhecido à época.
As manifestações de Saito foram consideradas pela diplomacia dos EUA "a mais clara expressão" de que o brigadeiro pretenderia "recomendar o F-18".
Mas, no final do ano passado, não foi o que se passou, pois a FAB classificou em primeiro lugar o caça Gripen, da Suécia, deixando o F-18 em segundo lugar na disputa.
Em maio do ano passado, segundo um telegrama do dia 19 daquele mês, os americanos decidiram passar a fazer lobby intenso a favor da Boeing porque "contatos brasileiros dizem não acreditar que o governo dos Estados Unidos esteja apoiando a venda fortemente".
"O esforço francês está sendo administrado diretamente pelo gabinete do presidente Sarkozy" e "o envolvimento sueco" é "em nível ministerial".

RELAÇÕES PESSOAIS
O governo dos EUA "é percebido pela maioria dos brasileiros como no máximo medianamente interessado em apoiar a venda. Essa é uma desvantagem crítica em uma sociedade como a brasileira, na qual os relacionamentos pessoais servem de fundação para os negócios", dizia o telegrama confidencial.
Embora tenham assinado vários documentos se comprometendo a transferir tecnologia, os norte-americanos se diziam intrigados. No Brasil, autoridades sempre propagavam a ideia de que isso não iria acontecer.
"Pode bem ser que os brasileiros desejem manter vivas as dúvidas sobre a transferência de tecnologia a fim de contarem com uma desculpa automática para a compra de um avião inferior, caso os líderes políticos assim decidam", dizia o despacho.
Em um item chamado "ataque à proposta francesa", os diplomatas dos Estados Unidos argumentam ser necessário "lembrar aos brasileiros" que "o esforço francês de vendas vem se baseando em alegações enganosas, se não fraudulentas".
É que parte dos equipamentos do Rafale tem "alta presença de conteúdo norte-americano, o que inclui sistemas de mira, componentes de radar e sistemas de segurança que requererão licenças norte-americanas".

JOBIM
Já em um telegrama confidencial mais recente, de 5 de janeiro deste ano, a diplomacia dos EUA fala sobre usar o ministro da Defesa, Nelson Jobim, para convencer Lula.
"Nós sabemos que o Super Hornet [F-18] recebeu a avaliação técnica mais favorável da FAB e é a escolha dos pilotos", afirma o despacho, para então concluir:
"Mas permanece, porém, o formidável obstáculo de convencer Lula. Nosso objetivo agora deve ser garantir que Jobim tenha argumentos reforçados ao máximo possível para ir a Lula em janeiro".


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