São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2010

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RENATA LO PRETE

Os Correios e o segredo das cartas


Sobre aborto, Dilma sempre pode dizer que mudou de opinião; explicar a encrenca da estatal é mais difícil

Quando promoveu Erenice Guerra ao comando da Casa Civil, no final de março passado, Lula afirmou que ela teria "uma responsabilidade imensa pelo que vai acontecer daqui para a frente, na continuidade dos trabalhos que fizemos".
Descontado algum exagero retórico, o fato é que Erenice, nos 170 dias em que ocupou a cadeira herdada de Dilma Rousseff, empenhou-se bastante em uma única frente de trabalho: os Correios, sobretudo na reorganização da rede de franqueados e na troca dos fornecedores do serviço de transporte de carga.
Havia um argumento. Os serviços postais estão sucateados. Nada funciona direito. O governo fazia questão de tratar do assunto em público, como uma espécie de ombudsman do processo. Agora, graças ao noticiário que resultou na demissão de Erenice, descobriu-se por quê.
Interessava criar ambiente propício a uma intervenção direta na estatal -e não apenas para que a empresa de lobby dos filhos da ministra conseguisse faturar com a intermediação de contratos.
Aos poucos, ficou claro que a Casa Civil queria desbancar o grupo controlador dos Correios, oriundo do PMDB de Minas, e instalar ali um operador político de sua confiança.
O personagem-chave dessa história é Eduardo Artur Silva, a mais exótica nomeação feita por Erenice em seu breve reinado. Alçado a uma diretoria estratégica dos Correios, ele tinha ligações contratuais com as duas empresas que o governo manobrou para transformar em transportadoras oficiais de carga postal (a VarigLog, ajudada pelo Palácio do Planalto em 2006 e 2008, e a MTA, socorrida em 2009).
Dos três motivos que levaram à demissão de Erenice em 16 de setembro, dois são conhecidos.
Primeiro, não havia mais como prosseguir na tentativa de desqualificar as denúncias de tráfico de influência. Naquele dia, a Folha trouxe provas de que o esquema operado pela prole da ministra não atuava somente nas franjas do governo, mas fazia uso da estrutura da própria Presidência da República.
Segundo, havia o cálculo eleitoral de curto prazo. Pesquisas internas da campanha de Dilma identificaram rapidamente o potencial de dano do escândalo. Seria muito ruim se a candidata tivesse de esclarecer por que, entre tantos servidores, escolheu logo Erenice para ser seu braço direito e batalhou tanto para que ela a sucedesse.
O diagnóstico do comitê se provou correto: mesmo com a degola, Dilma começou a cair no Datafolha -movimento que desmente a narrativa segundo a qual foi o "arranque das forças conservadoras", como disse a candidata, no assunto aborto que motivou o segundo turno.
O terceiro motivo passou, até aqui, quase despercebido. Não era conveniente despertar a atenção do público para o mapa político da distribuição de franquias dos Correios, para as negociações sobre o serviço de transporte de carga, para o loteamento da estatal que frequenta o noticiário de escândalos desde o mensalão, em razão de sua elevada liquidez -dinheiro miúdo que entra e sai em fluxo frenético, sem carimbo e com mil e uma utilidades.
No que diz respeito ao aborto, Dilma sempre terá a opção de dizer que mudou de opinião. Explicar a encrenca dos Correios é mais difícil.


RENATA LO PRETE é editora do Painel.

AMANHÃ EM PODER:
Mark Weisbrot


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