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Marinês em prosa & verso
Ao declamar versos no debate da Band, Marina Silva levou à TV uma marca de sua campanha: quando o eleitor menos espera, interrompe o discurso político e desata
a ler poemas de sua autoria
BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO
Quem resistia ao sono em
frente à TV, na madrugada
de sexta-feira, talvez tenha
pensado estar sonhando. Na
hora de se despedir no debate da Band, a presidenciável
Marina Silva (PV) esqueceu o
tradicional "peço seu voto"
e, numa cena inusitada, desatou a declamar um poema
de sua própria autoria.
Ela repetiu para as câmeras o que já virou hábito na
campanha Brasil afora:
quando o eleitor menos espera, a candidata interrompe o
discurso político para exibir
os dotes de poetisa amadora.
Os versos são arma recorrente nas palestras para estudantes, programa obrigatório nas viagens de Marina.
Um de seus clássicos é "Arco
e flecha", que ela costuma introduzir dizendo ser a flecha
da sociedade para atingir o
alvo de um país melhor.
"Sou o arco por primeiro,
sou a flecha por segundo/
Sou a flecha por primeiro,
sou o arco por segundo", recita, antes de rimar a palavra
"segundo" com "mundo".
Quem acompanha a senadora também já ouviu pelo
menos um trecho de "O Grito", que ela compôs após ver
de perto o quadro homônimo
de Edvard Munch.
"A arte, mesmo sem rima,
é poética/ Mesmo sem forma,
é estética/ Mesmo sem voz, é
profética", diz um trecho.
Marina conta que sua inspiração nasce de experiências que a emocionam, como
o conflito entre PMs e índios
na comemoração dos 500
anos do Descobrimento.
Dona de um vocabulário
peculiar, que a Folha tentou
traduzir em maio num "dicionário do marinês", ela diz
que a campanha deixa pouco
tempo para a produção poética. Por isso, tem se dedicado a ler estrofes antigas.
Os versos entoados na
Band foram uma exceção:
ela os escreveu num voo para
Brasília, quando se debulhava em lágrimas ao relembrar
a visita a uma favela no Recife. No dia seguinte ao debate,
o "menino Dado" havia virado celebridade na região.
A senadora é modesta ao
avaliar a obra de sua lavra.
"Não tenho técnica literária,
não tenho domínio de nada",
diz, antes de citar uma frase
do filme "O Carteiro e o Poeta": "A poesia não é de quem
faz, é de quem precisa".
MARKETING ELEITORAL
Filha de cearenses, Marina
também se arrisca na literatura de cordel. Em 2000,
muito antes de o colega
Eduardo Suplicy (PT-SP)
cantar "Blowing" in the
wind" no Senado, ela subiu à
tribuna para ler "A peleja de
um Dotôr Presidente com o
Zé do Salário", um libelo contra a política de salário mínimo do governo FHC.
A senadora se incomoda
com a sugestão de que a poesia possa render dividendos
eleitorais. "Não uso isso como estratégia de marketing,
não tem uma coisa assim. Se
eu sinto, eu faço", pontua.
Durante o debate, pesquisas feitas pelo PV com eleitores comuns mostraram que
ela teve sua pior avaliação ao
ler os versos: a maioria não
gostou ou não entendeu. Pode ter sido uma rima, mas
não foi uma solução.
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