São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2010

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Marinês em prosa & verso

Ao declamar versos no debate da Band, Marina Silva levou à TV uma marca de sua campanha: quando o eleitor menos espera, interrompe o discurso político e desata a ler poemas de sua autoria

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Quem resistia ao sono em frente à TV, na madrugada de sexta-feira, talvez tenha pensado estar sonhando. Na hora de se despedir no debate da Band, a presidenciável Marina Silva (PV) esqueceu o tradicional "peço seu voto" e, numa cena inusitada, desatou a declamar um poema de sua própria autoria.
Ela repetiu para as câmeras o que já virou hábito na campanha Brasil afora: quando o eleitor menos espera, a candidata interrompe o discurso político para exibir os dotes de poetisa amadora.
Os versos são arma recorrente nas palestras para estudantes, programa obrigatório nas viagens de Marina. Um de seus clássicos é "Arco e flecha", que ela costuma introduzir dizendo ser a flecha da sociedade para atingir o alvo de um país melhor.
"Sou o arco por primeiro, sou a flecha por segundo/ Sou a flecha por primeiro, sou o arco por segundo", recita, antes de rimar a palavra "segundo" com "mundo".
Quem acompanha a senadora também já ouviu pelo menos um trecho de "O Grito", que ela compôs após ver de perto o quadro homônimo de Edvard Munch.
"A arte, mesmo sem rima, é poética/ Mesmo sem forma, é estética/ Mesmo sem voz, é profética", diz um trecho.
Marina conta que sua inspiração nasce de experiências que a emocionam, como o conflito entre PMs e índios na comemoração dos 500 anos do Descobrimento.
Dona de um vocabulário peculiar, que a Folha tentou traduzir em maio num "dicionário do marinês", ela diz que a campanha deixa pouco tempo para a produção poética. Por isso, tem se dedicado a ler estrofes antigas.
Os versos entoados na Band foram uma exceção: ela os escreveu num voo para Brasília, quando se debulhava em lágrimas ao relembrar a visita a uma favela no Recife. No dia seguinte ao debate, o "menino Dado" havia virado celebridade na região.
A senadora é modesta ao avaliar a obra de sua lavra. "Não tenho técnica literária, não tenho domínio de nada", diz, antes de citar uma frase do filme "O Carteiro e o Poeta": "A poesia não é de quem faz, é de quem precisa".

MARKETING ELEITORAL
Filha de cearenses, Marina também se arrisca na literatura de cordel. Em 2000, muito antes de o colega Eduardo Suplicy (PT-SP) cantar "Blowing" in the wind" no Senado, ela subiu à tribuna para ler "A peleja de um Dotôr Presidente com o Zé do Salário", um libelo contra a política de salário mínimo do governo FHC.
A senadora se incomoda com a sugestão de que a poesia possa render dividendos eleitorais. "Não uso isso como estratégia de marketing, não tem uma coisa assim. Se eu sinto, eu faço", pontua.
Durante o debate, pesquisas feitas pelo PV com eleitores comuns mostraram que ela teve sua pior avaliação ao ler os versos: a maioria não gostou ou não entendeu. Pode ter sido uma rima, mas não foi uma solução.


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