São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2010

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MINHA HISTÓRIA
KEIKO OTA


A dor nas urnas

(...)No 11º dia, o antissequestro encontrou o Ives
já morto(...)
Mobilizamos o Brasil para endurecer a lei do crime hediondo
(...)Quero instituir a Semana Nacional da Cultura de Paz

RESUMO
Em 1997, o menino Ives Ota, então com oito anos, foi sequestrado e assassinado por policiais militares que cuidavam da segurança das empresas da família. Os pais de Ives, Masataka e Iolanda Keiko Ota, criaram uma fundação com o nome do filho morto para ajudar crianças carentes. No domingo, Keiko foi eleita deputada federal pelo PSB com 213.024 votos.

(...)Depoimento a

EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO

MARCELO MARANINCHI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em 1997, a nossa família estava só na prosperidade, o trabalho estava indo muito bem, tínhamos 14 lojas. Na época, fomos pioneiros nas lojas de R$ 1,99. Estávamos no auge do trabalho.
Tudo aconteceu no dia 29 de agosto. Levaram o Ives. O Ives reconheceu [os sequestradores], perguntou se eles eram guardas do papai. Na mesma noite, eles mataram o Ives. Eram dois policiais militares e um civil. Enterraram debaixo do berço e ainda vieram pedindo resgate e nos dando ajuda.
Foram 11 dias de negociação, 11 dias de desespero, foi um verdadeiro calvário para nós. No 11º dia, o antissequestro pegou o pessoal e encontrou o Ives já morto e enterrado debaixo do berço.
Naquele momento de ódio, mágoa, dor, sofrimento, iniciou-se o Movimento da Paz e Justiça Ives Ota. Mobilizamos o Brasil todo para mudar o Código Penal, endurecer a lei para crimes hediondos, quer era prisão perpétua com trabalho.
Ali, fomos recolhendo assinaturas, melhorando, começamos a juntar mais vítimas de violência, mães que perdiam filhos. Eu fui aprender a parte espiritual, porque não existe dor maior para um pai, para uma mãe, do que perder um filho. Não é fácil. E aí começamos a desenvolver, a fundação foi crescendo, tomando outro rumo, e começaram os trabalhos.
Nós criamos um trabalho, que é "mães sábias na Terra, filhos felizes no céu", com os encontros das mães para ter experiência, ter o relato de outras mães, e muitas vinham pedir ajuda. Primeiro a gente tirava o ódio, que caracteriza vingança.
O ódio não vai embora de uma hora para outra. Fizemos um treinamento, a oração do perdão, para limpar o subconsciente. O subconsciente entra sem a nossa ordem e fica lá, se manifestando. Enquanto você não treinar, ele se manifesta.
Muita gente fala: "dona Keiko e seu Ota são dois iluminados: perdoaram os algozes do filho, e eu não consigo nem perdoar minha mãe que batia em mim". É porque nós treinamos.
Muita gente acha que é divino, mas é porque a gente não gosta de sofrer e queria sair dessa situação. Então, fizemos o treinamento, mas isso demorou muito, um ano e meio, dois, para superar.
A força do perdão gerou um milagre na minha casa, que é a vinda da Ises. Foi esse o momento em que a gente viu que tinha condição de ser feliz e que Deus não estava esquecendo a gente. E tocamos a vida para a frente, com a força do perdão.
A gente tirou o ódio do coração para não manifestar vingança. Mas por justiça, a gente luta. Tem de existir a justiça, senão o progresso do Brasil fica atravancado. O país está nessa situação porque não tem uma lei rígida.
Você vê os outros países. Quando acontece uma atrocidade, matam uma criança, mulher é espancada, todo mundo se mobiliza para fazer justiça.
Quando a gente fez o movimento, as três milhões de assinaturas eram cobradas constantemente. Esse é um dos motivos para que eu vá lá [ao Congresso] rever.
Eu achava que um parlamentar ia abraçar essa causa ou pelo menos rever tudo isso, mas não aconteceu. Aí eu falei: "Então eu vou". Porque a gente era pressionado por isso. Esse Código Penal está ultrapassado e, no decorrer do nosso trabalho, a gente vê muita impunidade.
Eu sei que tem de haver aquela articulação para que as minhas propostas sejam aprovadas. A gente tem de se dar bem com todo mundo, fazer eles [os deputados] entenderem as minhas propostas. Eu estarei lá pra tentar fazer tudo isso, numa corrente do bem pra mudar essas leis.
No Código Penal, a proposta é endurecer a lei para crimes hediondos. No Brasil, quem mata 15 [pessoas] está sujeito a um teto de 30 anos [de prisão]. E tem a progressão penal, que faz a pena cair para dois quintos. Fazendo essa continha, dá 12 anos.
Eu acho muito pouco para quem é um psicopata, e nós não podemos correr esse risco. Eu quero elevar o teto de 30 anos para cem. Fazendo a continha, vai dar 40 anos.
Eu nunca fui para Brasília, mas eu acho que tudo vai depender de mim, porque a gente tem de ter um bom relacionamento. A gente não vai lá para ser polêmico, porque quem sou eu para ficar apontando erros? O meu intuito é unir. Não tenho medo.
No problema da violência, existem muitas causas. Vou apoiar também muitas coisas boas que vão acontecer para uma educação de qualidade, em período integral, que eu acho muito legal, curso técnico nas escolas públicas, que é uma prevenção.
E também instituir o Dia Nacional do Perdão. Porque o perdão é uma questão de tirar o ódio do coração. Eu acredito que todo ser humano é divino. O que camufla são os sentimentos de ódio, de rancor, de mágoa. Isso que faz guerra, faz violência.
Aquela criança que viu violência, assistiu a violência dentro de casa, sofreu violência no ventre materno vai botar esse sentimento de ódio que está gravado no subconsciente de uma forma violenta, se prostituindo, se drogando ou mesmo tirando a vida do outro, inconsciente.
E também quero instituir a Semana Nacional da Cultura de Paz, em que a gente vai rever valores importantes, como amor ao próximo, valorização da vida e o perdão.
O Ministério Público condenou eles [os assassinos de Ives Ota] a 43 anos e, na época, era de um sexto a progressão penal. Eles ficaram só seis anos, estão soltos. Não tenho medo deles. Eu mudei, tudo em volta de mim mudou. Eu hoje ainda faço a oração do perdão. Fortalece a gente no espírito. Perdoamos a eles de coração, não temos nenhum ressentimento. Mas a justiça não foi feita, porque eles não cumpriram 43 anos.
Nós, orientais, cultuamos nossos ancestrais. A gente acredita na reencarnação. Existe uma vida pós-morte. Por isso, nós cultuamos nossos ancestrais. A Ises é resultado dessa crença. A força do perdão gerou um milagre.


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