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De Graciliano para Getúlio
Em carta nunca enviada a presidente, escritor comenta os 11 meses que passou em prisão
MARCELO BORTOLOTI
DO RIO
Pouco mais de um ano
após ter deixado a cadeia,
onde esteve preso durante 11
meses por associação ao comunismo na ditadura de Getúlio Vargas, o escritor Graciliano Ramos -autor de clássicos como "Vidas Secas" e
"Memórias do Cárcere"- escreveu uma carta ao então
presidente.
O documento, datado de
agosto de 1938, não chegou a
ser enviado, mas faz parte de
pesquisa em andamento na
Faculdade de Comunicação
da Universidade Metodista
de São Paulo.
O objetivo da pesquisa de
Sonia Jaconi é analisar os
métodos administrativos do
escritor, considerados dinâmicos e revolucionários para
a época -entre outros cargos
públicos, foi prefeito da pequena cidade de Palmeira
dos Índios, em Alagoas, entre 1928 e 1930.
Na carta, Graciliano não
usa palavras duras, mas trata
com bastante ironia o episódio de sua prisão e o fato de o
presidente ser seu "colega de
profissão" -na época, a editora José Olympio lançava
um livro com discursos de
Vargas e tiragem de 50 mil
exemplares. "Vossa Excelência é um escritor", ironizou.
Ele alude à falta de razões
para ter sido preso, quando
era secretário de Educação
em seu Estado.
"Em princípio de 1936 eu
ocupava um cargo na administração de Alagoas. Creio
que não servi direito: por circunstâncias alheias à minha
vontade fui remetido para o
Rio de maneira bastante desagradável."
"Percorri vários lugares estranhos e conheci de perto
vagabundos, malandros,
operários, soldados, jornalistas, médicos, engenheiros e
professores da universidade.
Só não conheci o delegado de
polícia, porque se esqueceram de interrogar-me."
Graciliano também fala da
falta de emprego a que acabou condenado, já que seus
algozes o tiraram de Maceió
e, depois de soltá-lo, não lhe
arrumaram nova colocação.
"Até hoje ignoro por que se
deu semelhante desastre". E
despede-se com elogios:
"Apresento-lhe os meus respeitos, senhor presidente, e
confesso-me admirador de
Vossa Excelência".
O rascunho foi guardado
por James Amado, irmão de
Jorge Amado, casado com a
filha de Graciliano, Luiza Ramos. Hoje existem duas cópias. Uma na Casa Museu
Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios, e outra em
poder do pesquisador Wander de Melo Miranda, diretor
da Editora UFMG.
"Acho que ele nunca teve a
intenção de enviar a carta.
Foi um desabafo íntimo, uma
necessidade de expressar
sua revolta através da ironia", diz Miranda.
Um ano depois de tê-la escrito, Graciliano foi nomeado
inspetor federal de ensino secundário do Rio de Janeiro,
cargo que recebeu de Gustavo Capanema, então ministro da Educação do próprio
governo Vargas.
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