São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2010

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8 anos depois

Em 13 de novembro de 2002 , a então desconhecida técnica Dilma Rousseff chegava a Brasília, convidada por Palocci para integrar a equipe de transição de Lula

Sergio Lima - 27.dez.02/Folhapress
Dilma, então uma técnica discreta, em rara foto na transição de 2002

NATUZA NERY
DE BRASÍLIA

"Dilma, é o Palocci. Tudo bem? Gostaria de convidar você para integrar o grupo de transição do presidente Lula na área de energia."
Menos de 24 horas depois do telefonema, um voo da Varig levava a "técnica" a Brasília, cumprindo o que determinava a portaria 47 do "Diário Oficial": "Nomear Dilma Vana Rousseff" para a equipe. Era 13 de novembro de 2002, há exatos oito anos.
Um carro a levou direto ao trabalho. O QG da transição também era no Centro Cultural Banco do Brasil, e o coordenador do grupo, o mesmo Antonio Palocci Filho.
A publicação daquela data trazia outros 14 indicados e curiosas coincidências. Três nomes da lista são hoje cotados para o ministério da ex-técnica desconhecida que se tornou presidente: Miriam Belchior, José Sérgio Gabrielli e Gleisi Hoffmann. Miriam, aliás, tinha à época um cargo mais alto que o de Dilma.
"A doutora Dilma não parava. Saía muito tarde do CCBB, pra mais de meia noite. Eu ficava lá esperando", recorda-se Arilson Cavalcante Pereira, o "faz tudo" que a conheceu no dia de sua chegada e que, até hoje, a serve em variadas tarefas: pagar contas, compensar cheques, fazer mercado e organizar viagens. Atende, orgulhoso, pelo apelido dado pela chefe logo de cara: "Ligeirinho".
"Eu sempre corria para adiantar o serviço pra ela", contou, sem conseguir se lembrar de quantas vezes providenciara alimentação de urgência no escritório. Quando a fome apertava, ela engolia um sanduíche de frios e uma maçã.

BOA PAGADORA
Dilma Rousseff hospedou-se na Academia de Tênis, um resort a menos de dois quilômetros do quartel general da transição. Chegava sempre depois da meia noite e, vez ou outra, relaxava em um dos restaurantes do hotel com auxiliares de sua estrita confiança. Não havia assédio da imprensa. Não havia nem promessa de emprego para depois de 31 de dezembro.
Uma camareira que está lá desde 2002 confunde as hóspedes: "Claro que me lembro dela. Marina Silva morava aqui, era gente boa".
Um dos funcionários que cuidava do café da manhã a chama de "chata". Outra, de "exigente". A então recepcionista, agora chefe do departamento financeiro, elogia a assiduidade com que Dilma honrava a hospedagem: R$ 1.970,00 mensais.
Novata no PT e na transição, não havia honrarias. Dilma e o "grupo gaúcho" dividiam a mesma sala no 2º andar do CCBB com a equipe de petróleo e o pessoal que montava a Secretaria para a Mulher. "Eu, ela e Valter Cardeal [diretor da Eletrobras ligado à presidente eleita] dividíamos o mesmo computador, a mesma escrivaninha. Não tinha lugar pra todo mundo", relatou Ronaldo Custódio, hoje na Eletrosul.

ERENICE
Foi exatamente nessa sala que Dilma avistou Erenice Guerra pela primeira vez. Ela integrava a equipe de advogados da liderança do PT na Câmara e havia chegado ao núcleo de energia por seu passado na Eletronorte.
A identificação foi imediata: ambas eram consideradas duronas e costumavam cobrar muito por resultados. A amizade só se revelaria depois, em 22 de janeiro, quando o "Diário Oficial" estampava a nomeação de Erenice para o cargo de consultora jurídica do Ministério de Minas e Energia, destinado a Dilma. Salário: R$ 6.300,00.
"Na transição, Erenice era nossa referência política, era nossa ponte com a estrutura do PT, porque não conhecíamos o partido muito bem", afirmou Custódio.
Na época, Dilma desembarcava apenas na capital e na transição, mas também no PT -direto do berço do brizolismo, o PDT gaúcho.
Oito anos mais tarde, a relação muito próxima entre Dilma e Erenice e os escândalos protagonizados pela ex-braço direito na Casa Civil ajudaram a frustrar a expectativa de Dilma vencer as eleições já no primeiro turno.

O CONVITE
"Palocci, queria sugerir um nome do nosso grupo para integrar a missão internacional a Frankfurt", disse Dilma ao chefe, em 17 de novembro. "Nem pensar, Dilma, quem vai é você", respondeu o coordenador.
A viagem em questão era um encontro de infraestrutura na Alemanha, e o convite fora feito por Pedro Parente, chefe da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso. Era o primeiro sinal de que Dilma poderia integrar o primeiro escalão do Executivo no governo Lula.
"Ela não se considerava a líder do grupo e nunca avançava o sinal", conta Palocci.

CHAMPANHE NACIONAL
Dias depois, outra ligação. "Mantenham segredo, mas o presidente acaba de me chamar para ser ministra de Minas e Energia", contou Dilma a quatro assessores próximos. A técnica desconhecida assumia uma pasta estratégica do ministério petista.
Foi Regina Barnasque, assessora e amiga dos tempos de PDT, quem atendeu o telefonema de Lula. Ela tentou dar os parabéns ao ouvir a novidade, mas Dilma não aceitou. "Sem comemorações. Melhor esperar o anúncio", disse, precavida.
Duas garrafas de champanhe nacional compradas ali mesmo, num restaurante do CCBB, brindaram o Natal, mas não a nomeação.
E a nova ministra entrou no governo em 1º de janeiro de 2003 para ser, nos anos seguintes, muitas vezes mais surpreendida pelos convites de Lula, que primeiro a escolheu para o lugar de José Dirceu e, depois, para sucedê-lo na Presidência da República.


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