São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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CLAUDIO WEBER ABRAMO

Olho no Legislativo


A distribuição de cargos conduz à deterioração das Casas legislativas


A ATENÇÃO provocada pela eleição presidencial tem a tendência de fazer o eleitor descuidar da eleição de representantes ao Senado, à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas. Mesmo o pleito para governador sofre com isso.
A falta de cuidado com quem é eleito para as Casas legislativas contribui para a sua baixa qualidade, o que alimenta a baixa estima da população, o que, por sua vez, reforça o desinteresse, fechando o proverbial círculo vicioso.
Quem ganha com isso são os aventureiros, os quais constituem desmesurada porcentagem dos plenários legislativos: conforme dados do projeto Excelências, da Transparência Brasil (www.excelencias.org.br), cerca de 40% dos senadores e dos deputados federais têm processos na Justiça por crimes contra a administração pública, tiveram contas eleitorais rejeitadas, estão sendo processados por compra de votos ou foram punidos por Tribunais de Contas.
Um fator institucional determinante para a baixa qualidade do Legislativo brasileiro é o mecanismo, constitucionalmente garantido, da distribuição de cargos de confiança por parte do Executivo.
Assim que é eleito, o presidente da República, os governadores e os prefeitos reúnem-se com os partidos e montam a sua base de apoio. Isso é feito por meio da distribuição de cargos: "vote comigo, não me chateie e em troca fique com tais e quais pedaços da administração".
O objetivo é fazer o Legislativo renunciar à sua principal função, que é fiscalizar o Executivo. Renuncia também à sua segunda função, a de legislar. No negócio entre o Executivo e o Legislativo, uma cláusula fundamental é a garantia de aprovação de projetos vindos do Executivo. No plano administrativo, o Executivo nada de braçada porque ninguém o fiscaliza.
É evidente que um Legislativo sem função afasta os melhores, deixando espaço livre para os piores. A instituição entrou numa espiral descendente demonstrada pelos permanentes escândalos em que se envolve. (Não se imagine que um caso como o da Câmara Legislativa do Distrito Federal seja particularmente notável; lá, deram o azar de terem sido apanhados. Este espaço é curto demais para listar os casos detectados pelo país afora apenas nos últimos quatro anos.)
Como deputados e senadores (e vereadores) são aquinhoados com o controle de pedaços da administração, o resultado, na melhor das hipóteses, é a captura do poder público por interesses privados (vide empresas estatais e agências reguladoras, entre tantíssimos outros exemplos) e, na pior, a instalação de quadrilhas nos órgãos públicos.
O mais duro é que a capacidade de o eleitor alterar esse estado de coisas é pequena, pois uma vez terminada a eleição os partidos políticos fazem fila à porta do Executivo para vender-se.
A deterioração da representatividade legislativa é função direta da distribuição de cargos. Isso só mudará se a liberdade de nomeação for drasticamente reduzida, o que exige emenda à Constituição. Em tese, o Congresso poderia fazer isso, mas seu interesse é exatamente oposto.
O presidente que vier a ser eleito poderia, se quisesse, promover tal mudança, embora também o interesse trabalhe no sentido inverso.


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