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Licitação de R$ 120 milhões apresenta indício de fraude
Notas de concorrentes foram alteradas depois de atribuídas, contrariando lei
Documentos mostram falhas em escolha de agência de publicidade que vai gerir conta do Ministério da Saúde
MARIO CESAR CARVALHO
SILVIO NAVARRO
DE SÃO PAULO
A maior licitação de publicidade deste ano do governo
Lula, para escolher as agências que vão cuidar de uma
verba anual de R$ 120 milhões do Ministério da Saúde, tem indícios de fraude, de
acordo com documentos obtidos pela Folha.
As notas atribuídas a 11
das 31 agências que disputavam a concorrência sofreram
mudanças no meio do processo que contrariam a lei, de
acordo com os advogados
Paulo Boselli e Paulo Gomes
de Oliveira Filho.
Uma mesma agência aparece com uma nota no começo da disputa e recebe uma
avaliação maior depois.
A assessoria de comunicação da Saúde diz que a divergência de notas é resultado
de um erro formal que não altera o resultado da disputa.
O processo de licitação durou mais de seis meses -foi
aberto em 1º de março e encerrado no último dia 19.
O Ministério da Saúde tem
uma das maiores verbas de
publicidade do governo. Os
R$ 120 milhões são o mesmo
valor que o Bradesco paga
para ser o patrocinador do
"Jornal Nacional" e pouco
mais de 10% do R$ 1,1 bilhão
previsto para o governo gastar no primeiro ano do governo de Dilma Rousseff.
DISPUTA
A disputa pela conta da
Saúde seguiu a nova lei para
contratar agências de publicidade, sancionada pelo presidente Lula em abril.
A nova legislação foi criada com dois objetivos básicos, segundo o advogado
Paulo Boselli, especialista
em licitações: reduzir julgamentos subjetivos e evitar
que o órgão contratante direcione a disputa.
Uma comissão composta
por três técnicos do ministério atribui notas à proposta
das agências. Cada agência
recebe um número, para evitar simpatias ou antipatias
dos julgadores.
Como nos julgamentos de
escolas de samba, as notas
são atribuídas a quesitos.
São julgados raciocínio básico (10 pontos) estratégia de
comunicação (25), ideia criativa (também 25) e estratégia
de mídia (10), num total de
70 pontos. Nessa fase, os julgadores não sabem quem são
as agências.
Já com o nome da agência,
outros 30 pontos são atribuídos à capacidade de atendimento, atualização tecnológica da agência e repertório.
Só na planilha final são
reunidos os critérios do julgamento às cegas com a avaliação da capacidade da
agência.
Essas notas só podem sofrer mudanças em duas condições, segundo o advogado
Paulo Gomes de Oliveira Filho, consultor jurídico da
Abap (Associação Brasileira
das Agências de Publicidade): 1) quando houver uma
divergência de 20% ou mais
entre a menor e a maior nota;
2) se a agência apresentar um
recurso contra a avaliação.
A mudança para as divergências acima de 20% visa
evitar disparates ou perseguições. Num exemplo hipotético, imagine que dois jurados deem 8 para um certo
quesito e o terceiro atribua 2.
Para evitar divergências
difíceis de explicar, a nova lei
prevê a correção "a fim de
restabelecer o equilíbrio das
pontuações atribuídas". O alvo são os critérios objetivos.
PLANILHAS
Nas planilhas obtidas pela
Folha, as notas finais, já
com o nome da agência, não
coincidem com as que aparecem na fase em que o proponente é desconhecido. A Arcos, por exemplo, teve 48
pontos na planilha inicial e
51,17 na tabela final.
No placar final, a diferença entre a quarta colocada
(vencedora) e a quinta foi de
0,16. Um eventual ajuste de
um ponto poderia ter modificado o resultado da licitação
Publicitários ouvidos pela
Folha sob a condição de que
seus nomes não fossem citados dizem que a mudança
nas notas pode ser resultado
de pressão política.
A concorrência teve quatro vencedoras: Propeg, Agnelo Pacheco, Calia Y2 e Borghierh Lowe. Das quatro, as
duas primeiras já detinham a
conta da Saúde.
Apesar de conseguirem
boas notas nos quesitos, as
quatro vencedoras foram criticadas em parecer dos técnicos. "Aborda superficialmente o Farmácia Popular,
não menciona suas vertentes, benefícios e obrigatoriedades", afirmam os julgadores sobre o quesito "raciocínio básico" da proposta da
Borguierh.
Primeira colocada no certame, a Propeg também foi
contestada na avaliação de
"ideia criativa". Os técnicos
dizem que o material "apresenta muitos elementos gráficos tornando-o congestionado". "Além disso, a maioria das peças aparenta ter
custo elevado de produção."
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