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VLADIMIR SAFATLE
A democracia
que não veio
O real desafio é criar mecanismos de ampliação da democracia direta
DESDE QUE a campanha
eleitoral começou, vemos os
candidatos mais bem posicionados ensaiarem a defesa da reforma política. Isso
significa que, ao menos no
discurso, todos reconhecem
um certo déficit democrático nas estruturas de poder
da sociedade brasileira.
No entanto, é interessante perceber como a maioria
das propostas (quando
elas, de fato, aparecem) resume-se à discussão de
questões que não tocam o
fundamento do problema.
Voto obrigatório ou facultativo, existência ou não do
Senado, adoção ou não do
voto distrital: todas essas
questões, embora relevantes, não têm a força para
desbloquear o processo de
constituição de uma democracia efetiva entre nós.
Neste sentido, talvez fosse o caso de dirigir a atenção para dois pontos pouco
explorados no debate eleitoral. Primeiro, vivemos um
processo de esgotamento
do chamado "presidencialismo de coalizão".
O Brasil deve ter o único
Parlamento no mundo em
que é impossível a um partido ter a maioria absoluta
das cadeiras. Desde a redemocratização, apenas o
PMDB de 1986 conseguiu
alcançar essa marca.
Isso faz com que o Congresso seja um verdadeiro
"balcão de negócios", no
qual um Executivo sempre
fragilizado (já que necessita
de alianças heteróclitas
com vários partidos para
governar) sai perdendo.
Só seria possível mudar
tal situação através de uma
reforma política que permitisse situações eleitorais nas
quais o vencedor leva tudo.
Isso pode significar que
uma parte das cadeiras deva estar vinculada, necessariamente, ao partido vencedor, a fim de permitir que ele
possa fazer maioria congressual mais facilmente
(ou, ao menos, uma minoria
qualificada).
No entanto, toda discussão a respeito de nosso deficit democrático deve partir
da constatação da baixa
participação popular nos
processos decisórios de governo.
A democracia parlamentar liberal quer nos fazer
acreditar que a participação
popular deva se resumir, em
larga medida, à criação de
coeficientes eleitorais em
épocas de eleição. Ela não
percebe que o verdadeiro
desafio democrático consiste na criação de mecanismos de ampliação da democracia direta, seja através
da generalização de plebiscitos, seja através da regionalização dos processos de
decisão sob a forma de conselhos populares.
Tal criação é a condição
para o engajamento da população nas práticas sociais
de gestão. Só uma patologia
própria ao pensamento conservador pode defender que
o aumento da participação
popular equivale a um risco
à democracia. Como se a
boa democracia fosse aquela que conserva o povo a
uma distância segura através dos mecanismos de representação.
Contra isto, talvez seja o
caso de dizer claramente
que a verdadeira democracia é medida pela possibilidade dada ao poder instituinte popular para manifestar-se, mesmo que seja
criando novas regras e instituições.
Pois há uma plasticidade
política própria à vida democrática que só aqueles
que temem a construção de
uma democracia efetiva
compreendem como "insegurança jurídica".
VLADIMIR SAFATLE é professor no
departamento de filosofia da USP
AMANHÃ EM PODER
Mauro Paulino
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