São Paulo, sábado, 9 de janeiro de 1999 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice O nosso olhar sobre Marx
LEANDRO KONDER
Há poucas décadas, seria muito difícil reunir uma equipe qualificada de pesquisadores brasileiros para comentar, de um ângulo resolutamente nosso, mas com abertura universal, as peculiaridades desses complexos -e muitas vezes contraditórios- representantes de um pensamento de esquerda apaixonadamente independente. Independentemente de discordâncias e eventuais diferenças de nível qualitativo nas abordagens, não se pode deixar de reconhecer e saudar o elevado padrão médio das análises. Seria, na realidade, quase impossível, há 20 ou 30 anos, vermos mobilizarem-se tantas cabeças pensantes que, enraizadas no solo da esquerda em nosso país, pudessem discutir idéias críticas, heterodoxas, politicamente "explosivas", sem se entregarem aos excessos da admiração acrítica ou da repulsa preconceituosa. Fernando Haddad formula sobre as conexões de Habermas com Adorno uma interpretação que, há 20 anos, seria sumariamente descartada como "reformista" ou "social-democrática" e que hoje é tranquilamente reconhecida como digna de atenção. Maria Elisa Cevasco resgata aspectos instigantes da obra e da metodologia do historiador inglês Raymond Williams, abrindo para ele um espaço que, algum tempo atrás, possivelmente lhe seria negado pelos admiradores mais extremados de Eric Hobsbawm, de Edward Thompson ou de Perry Anderson. E José Veríssimo Teixeira da Mata se dispõe a reabrir o dossiê Althusser, que alguns queriam arquivar definitivamente, apontando questões irresolvidas, porém fascinantes na recusa althusseriana da dialética de Hegel. A inspiração radical -felizmente!- não desapareceu. No entanto, as fontes da radicalidade se renovam. Ernani Chaves analisa a perspectiva de Benjamin, tal como ela aparece no ensaio que o crítico alemão escreveu, por encomenda de Horkheimer, sobre Eduard Fuchs, e mostra como eram marcantes as divergências existentes entre Benjamin e o pensamento social-democrático. Isabel Maria Loureiro é capaz de se concentrar, com grande nitidez, na centralidade do conceito marcusiano de revolução, mostrando como se articulam teoria e prática na ótica de Marcuse, com uma clareza que talvez fosse inatingível 30 anos atrás. A história precisa ser incessantemente reescrita. Não surpreende, pois, que Iná Camargo Costa nos leve a revisitar as divergências entre Adorno e Brecht e nos faça reavaliar o alcance das exigências que estavam por trás das posições assumidas pelo filósofo e pelo artista. E não surpreende que Carlos Eduardo Jordão Machado empreenda uma releitura do velho ensaio de Bloch sobre "O Espírito da Utopia" e nos advirta para a dimensão de uma filosofia das "vanguardas históricas" (expressionismo, cubismo, futurismo) presente naquele livro de 1918. Para o público leitor brasileiro, entretanto, os ensaios de maior interesse, com toda probabilidade, serão aqueles que estão dedicados a autores nacionais, mais precisamente aos nossos representantes daquilo que foi chamado de "marxismo ocidental brasileiro" pelo grande inspirador da maioria dos colaboradores do volume ora lançado, o professor Paulo Arantes. Haroldo Santiago examina, com olhar não desprovido de simpatia, o movimento do pensamento do filósofo José Arthur Giannotti, que o leva a combinar argumentos de Marx com a metodologia analítica proposta pelo jovem Wittgenstein. Leda Maria Paulani defende, contra numerosas incompreensões -inclusive por parte de Giannotti-, a ousada navegação que Ruy Fausto empreendeu "nas águas turbulentas da obra de Marx, usando a dialética como bússola". E, no último ensaio de "Capítulos do Marxismo Ocidental", Francisco Alambert propõe uma reflexão sobre a obra de Roberto Schwarz, detendo-se na observação da formação do crítico, de suas raízes culturais e de seu desenraizamento existencial como exilado. São lembradas também algumas afinidades eletivas existentes entre Schwarz, de um lado, e Sérgio Milliet, Anatol Rosenfeld e Paulo Emilio Salles Gomes, de outro. E é sublinhada a importância, para o autor de "Ao Vencedor as Batatas", do encontro com o ensaio de Antonio Candido sobre "Memórias de um Sargento de Milícias", "A Dialética da Malandragem". O marxismo ocidental tem numerosas vertentes a serem exploradas, e o volume preparado por Isabel Maria Loureiro e Ricardo Musse não pretende, evidentemente, esgotar a investigação desse campo riquíssimo. Vale a pena assinalarmos, contudo, que se trata de uma preciosa contribuição e de um vigoroso estímulo ao aprofundamento do estudo e à ampliação do nosso conhecimento a respeito do legado teoricamente mais significativo dos descendentes mais inquietos de Marx. Leandro Konder é professor no departamento de educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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