|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Mais memória que história
VAVY PACHECO BORGES
A memória da Revolução de 32
continua controvertida. Parece
imersa na "zona de penumbra entre a memória e a história" (Eric
Hobsbawm), em parte por existir
entre nós pessoas que viveram esse
acontecimento. Mas não só: 32 é
parte importante dos mitos da história do nosso estado. Numa fala
oficial-oficiosa, São Paulo aparece
como o maior sujeito da história
do Brasil, pois os paulistas conquistaram o território, a independência "às margens do Ipiranga"
e, em 32, a reconstitucionalização.
Devido às eleições de 33, o final
da luta é comemorado pelos perdedores como vitória. Que o Estado Novo tenha alterado o regime
democrático, que se tenha estabelecido um novo equilíbrio nas relações entre São Paulo e Vargas,
que grande fração da população
do estado tenha eleito Vargas senador e presidente, nada conta para essa memória. E como o conhecimento histórico caminha lentamente, na universidade 32 só foi
apresentada como guerra civil 50
anos depois, e pelo brasilianista
Stanley Hilton. As análises de 70 e
80 procuraram desmontar essa visão glorificadora desenvolvida por
participantes ou pelo Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo.
Em seu livro, Jeziel de Paula faz
um vasto levantamento de fotos de
época. Sua inovação é apreciável e,
a partir de fotos que nos fascinam
e mereceriam melhor tratamento,
constrói um texto agradável, contando casos de modo entusiasmado e contagiante. Começa por fazer reflexões teóricas sobre imagens e dá exemplos de suas manipulações técnicas e políticas. Depois, analisa de forma temática as
fotos: revolução, mobilização e
brasilidade. Instiga-nos com
exemplos de como se trabalha esse
tipo de fonte. Mas a impressão que
essas análises me deixaram foi de
"clips", em moda nos tempos
corridos em que vivemos; a história, porém, deve ser apresentada
como filme de longa-metragem.
Em história política é fundamental levantarem-se as falas do maior
número de sujeitos envolvidos. Jeziel refere-se à historiografia de
forma genérica, ela não o impressiona e ele parece querer contradizê-la "in totum". Sua interlocução quase se limita aos autores que
trabalham com fotos.Falta um
diálogo com a maioria das leituras
que poderia ter organizado em
tendências interpretativas, justificando o título de "ensaio" que dá
à listagem final.
A partir do material fotográfico,
Jeziel faz um percurso diferente,
mas o ponto de chegada não é novo, pois não há ineditismo nas
apreciações mais importantes sobre o movimento. Já foi mostrado
que "32 começou em 30" e que a
disputa pelo poder em São Paulo
vinha desde a visita de Morato ao
Trem da Vitória, que houve enorme adesão popular, que o separatismo não era dominante, que os
paulistas, embora regionalistas e
preconceituosos, eram também
patriotas. Mas que grupos das elites paulistas tinham um projeto
para o Brasil, desde os anos 20, Jeziel não menciona.
A OBRA
Imagens Construindo a História
Jeziel de Paula
Editora da Unicamp (Tel.
019/788-1098)
312 págs. , R$ 21,00
|
As imagens podem ser enganosas e contraditórias como qualquer outro tipo de documento;
examinar um só tipo de fala -o
existente nas intenções oficiais- é
insuficiente, a não ser que se queira saber somente que tipo de fala
esses sujeitos representam, o que
Jeziel trabalha bem. Promotores e
participantes da revolução querem registrar a grande adesão ao
constitucionalismo, que certamente existia em inúmeros corações, mas acompanhado de regionalismo, patriotismo e paixão pelo
combate. A campanha pela "Autonomia e Constitucionalização"
levada antes da luta transformou-se em "Revolução Constitucionalista" (aliás, o autor nomeia
os paulistas "constitucionalistas"). Porém, a disputa política
iniciada na "revolução contra São
Paulo" em 30 acabou de forma
brutal em 32. Apresentar isso como manipulação versus sinceridade é compreensível mas ingênuo.
A partir do relato entusiasta que
Jeziel faz do esforço industrial de
guerra, fica difícil compreender
como a luta foi perdida. Chefes
militares e participantes denunciaram a falta de armas, de preparação do voluntariado, a inutilidade das matracas. Os mortos e feridos, a destruição material, os gastos, tudo parece justificado pela
"criação artística intensa", pelo
esforço de apoio, pelo fato de os
serviços públicos não terem sido
interrompidos e, claro, acima de
tudo, pelo ideal que galvanizou as
massas populares. Concordo, porém, com Vargas: 32 foi "uma
aventura sinistra".
É certo que o indivíduo tem um
caráter irredutível e não se explica
sua atuação pela determinação de
classe, como lembra Jeziel; mas isso não anula o fato de que as pessoas se deixam envolver pelas paixões e desrazão da política. Ao
contrário do que o autor coloca na
"Introdução", procurar todas as
motivações não é diminuir o porte
do movimento, não é questão de
ser ou não "democrático". Os
críticos da luta não aparecem em
fotos, pois tudo que foi dito, escrito e mostrado o foi para promover
o ânimo guerreiro e não o esmorecimento (como reconhece Jeziel).
A magia das fotos envolve e seduz
o autor, fazendo com que se interesse mais pelos sonhos dos soldados que pelas maquinações políticas de seus chefes. Jeziel endossa a
representação do movimento que
os chefes civis queriam transmitir.
Assim, seu livro acaba ficando
mais próximo da memória que da
história de 32.
Vavy Pacheco Borges é professora de história na Universidade Estadual de Campinas e autora de
"Tenentismo e Revolução Brasileira"(Brasiliense) e "Memória
Paulista"(Edusp).
Texto Anterior: Flávia Schilling: Tudo começou tão mal Próximo Texto: Alberto Aggio: Inverter a revolução passiva Índice
|