São Paulo, sábado, 11 de março de 2000


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A realidade física


Einstein explica para o leitor comum os princípios da teoria da relatividade


A Teoria da Relatividade Especial e Geral
Albert Einstein
Tradução: Carlos Almeida Pereira
Contraponto (Tel. 0/xx/21/259-4957)
136 págs., R$ 19,00

NEWTON DA COSTA

Todos sabem que Einstein revolucionou nossa concepção do mundo. Ele é um dos poucos cientistas de fama universal, quase como um astro de televisão ou um jogador de futebol. Porém é algo difícil explicarmos a razão de Einstein ser tão popular. Sua obra é sobretudo teórica, de compreensão árdua para o neófito, embora não devamos esquecer que ele se envolveu em numerosos episódios extracientíficos, nos campos da política, do pacifismo, do racismo, da religião e do feminismo. Tudo isso, talvez, aliado à sua personalidade muito peculiar, acabou por torná-lo uma superestrela.
Aliás, recentemente a revista norte-americana "Time" elegeu-o a personalidade do século 20. Não há dúvida de que a escolha foi merecida. Este século caracterizou-se por diversos traços, mas nele os desenvolvimentos científico e tecnológico foram assombrosos. Costuma-se dizer que o século 17 foi o século do gênio, circunstância sobre a qual Whitehead insiste muito em seu célebre livro "Science and the Modern World".
Com argumentos similares aos do filósofo inglês, pode-se também sustentar que o século 20 foi o do gênio científico e tecnológico: período da mecânica quântica, relatividade especial, relatividade geral, biologia molecular, expansão do universo com o Big Bang, dupla hélice de Watson e Crick, revoluções na matemática e na lógica, teoremas de Gödel, máquinas de Turing, lógicas não-clássicas, transistores, computadores, informática, Internet etc. E, entre os heróis do pensamento científico puro, destaca-se Einstein; todavia, ele também influenciou de variadas maneiras a tecnologia, contribuindo indiretamente, digamos, para a elaboração do laser e desempenhando papel relevante para que se iniciasse a fabricação da primeira bomba atômica, para o bem ou para o mal.
Por tudo isso, não se pode questionar o acerto do resultado da votação da revista: foi eleito, acima de tudo, um dos maiores gênios de todos os tempos, da categoria de um Arquimedes, de um Newton ou de um Gauss. É curioso que a tradução deste livro tenha aparecido mais ou menos na mesma época da eleição, como que destinada a comemorá-la.
Escrito por volta de 1916, após a edificação da relatividade geral, nele Einstein descreve, de modo acessível ao leitor não-especializado, possuindo apenas conhecimentos de um bom curso secundário, as idéias e os princípios básicos da teoria da relatividade especial e geral.

O espaço e o tempo
A obra se divide em duas partes e em um apêndice composto por diversos itens. A primeira parte é devotada à chamada teoria da relatividade especial. O autor discorre sobre os conceitos de espaço, de tempo e de simultaneidade, entre outros, delineando a origem da relatividade especial e explicitando os seus postulados centrais. Mostra, em particular, como a transformação de Lorentz nos conduz a modificar profundamente as noções usuais de espaço e de tempo, bem como os próprios alicerces da mecânica de Newton, que imperavam na física dos séculos precedentes. E analisa o universo de Minkowski, evidenciando a conveniência e motivando o emprego de coordenadas imaginárias no referente ao tempo, algo muito estranho para quem não está habituado ao aparato matemático da física hodierna.
Na segunda parte, Einstein trata da relatividade geral, que modifica e amplia a especial. Discute tópicos como campo gravitacional (absolutamente fundamental para a relatividade geral, ao contrário da especial, que não se ocupa do mesmo), variedades a quatro dimensões, campos quaisquer, éter, equivalência entre massas inercial e gravitacional, geometrias não-euclidianas e ação da gravidade sobre os relógios. Particularmente interessante é a concepção filosófica do físico alemão no tocante ao espaço ou ao espaço-tempo, que, para ele, é algo objetivo, sobretudo quando se associam espaço e tempo de modo orgânico e matematicamente elegante, algo que ocorre na relatividade geral. O espaço-tempo é uma construção idealizada, formulada a partir da experiência, mas, convém frisar, criação conceitual do homem (somos em boa porção cunhadores livres de categorias conceituais).
O espaço-tempo é, por assim dizer, a totalidade de todos os sistemas de referência, dos quais lançamos mão em física, com suas fórmulas de transformação. É ideal, objetivo e alicerçado na experiência. De seu lado, o físico busca leis invariantes sob semelhantes transformações. Ele escreve sobre o espaço:
"Ora, devemos pensar que existe um número infinito de espaços em movimento uns em relação aos outros. O conceito de espaço como algo que existe objetivamente e independentemente das coisas já estava presente no pensamento pré-científico, mas isso não ocorre com a idéia de existir um número infinito de espaços movendo-se uns em relação aos outros. Esta última idéia, de certo, é logicamente inevitável, porém durante muito tempo ela não desempenhou nenhum papel importante nem mesmo no pensamento científico".
Assim, mesmo em trabalhos de divulgação, Einstein apresenta facetas originais. Sente-se, por trás das discussões com o leitor hipotético, dos comentários esclarecedores e de outros recursos didáticos, o pulso do autor.
O apêndice (ou apêndices, como está no livro) é dedicado a temas um pouco mais técnicos: a derivação das transformações de Lorentz, aspectos do Universo tetradimensional de Minkowski, a confirmação da relatividade geral pela experiência (o movimento do periélio de Mercúrio, o deslocamento das linhas espectrais para o vermelho e o desvio da luz em campos gravitacionais), a estrutura do espaço na relatividade geral etc.
Não se deve esquecer que a relatividade geral contribuiu para transformar a cosmologia, de disciplina de índole acima de tudo filosófica, em disciplina científica. Isso fica bem claro no decurso da leitura do livro.
A tradução, com revisão técnica do professor Ildeu de Castro Moreira, é criteriosa, e à edição brasileira foi acrescentada uma pequena, mas excelente bibliografia. No entanto, seria apropriado que a ela se juntasse também um dos melhores livros sobre Einstein, em particular sobre sua metodologia e visão filosóficas: "Einstein Philosophe" (PUF, 1993), de Michel Paty.
Este pequeno livro de Einstein constitui uma pérola do ponto de vista didático, que deve ser recomendado a todos os interessados no assunto, cientistas, inclusive os físicos, filósofos e quaisquer pessoas com um mínimo de formação secundária. Afirmações como essa, todavia, podem não ser integralmente verdadeiras. Com efeito, Einstein redigiu um brilhante ensaio sobre o espaço para uma das edições da "Enciclopédia Britânica", sobre o qual endossaríamos o que asseveramos acima a respeito das qualidades do livro. Pois bem, o ensaio foi suprimido de edições seguintes por ser muito complicado na opinião de vários leitores... Algo análogo, evidentemente, não se passará aqui no Brasil com a obra em epígrafe.


Newton C.A. da Costa é autor, entre outros livros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial).


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