|
Texto Anterior | Índice
Uma forma humilde
A Balada do Cárcere de Reading
Oscar Wilde
Tradução: Paulo Vizioli
Nova Alexandria (Tel. 0/xx/11/571-5637)
88 págs., R$ 14,50
PAULO HENRIQUES BRITTO
"A Balada do Cárcere de Reading" foi a única obra que
Oscar Wilde escreveu e publicou na fase final de sua vida,
entre a prisão em 1895 e a morte prematura no exílio, em
1900. É também seu único poema com caráter de
denúncia, cujo vigor, apesar de alguns excessos
melodramáticos, destoa da frouxidão que tende a marcar a
poesia desse autor, hoje respeitado acima de tudo por seu
teatro e sua prosa crítica e ficcional. Boa parte da força do
poema deriva da forma escolhida por Wilde: a balada.
A balada inglesa é uma forma poética popular muito
usada em narrativas. Nela alternam-se versos de quatro
pés (isto é, quatro acentos fortes) e versos de três, com rima
somente entre os versos pares (os de três pés). A contagem
de sílabas é irregular, e pode haver pequenos desvios
ocasionais até na contagem de pés, desde que predomine a
oposição quatro/três. Nas baladas escritas por poetas
eruditos, a presença de irregularidades na forma é um
efeito calculado, uma espécie de selo de autenticidade.
É esse o poema que nos apresenta Paulo Vizioli, recém-falecido tradutor paulista que nos deixou versões de
muitas obras poéticas importantes na literatura de
expressão inglesa. Como sempre, Vizioli busca em sua
tradução uma aproximação formal escrupulosa com o
original. Mas esse método, que logrou bons resultados em
outras traduções suas, como a de "The Rape of the Lock",
de Pope, não funciona tão bem aqui. Se, no caso de Pope
-poeta neoclássico que trabalha com pentâmetros
(versos de cinco pés) jâmbicos (pés com duas sílabas cada,
sendo a segunda acentuada) rigorosamente metrificados e
rimados-, a tradução em alexandrinos foi um sucesso, no
caso da balada de Wilde a solução encontrada por Vizioli é
problemática. Vejamos por quê.
Narratividade e simplicidade
Na "Balada do Cárcere de Reading" também predominam os pés jâmbicos, de duas sílabas. A alternância de versos de quatro pés com versos de três significa, em tese, que
os versos longos teriam oito sílabas e os curtos, seis. Mas,
como já vimos, na balada a contagem de sílabas é o de menos; o que realmente importa é a sucessão quatro acentos/
três acentos, um ritmo que, para o ouvido de um falante do
inglês, está associado a versos populares ou infantis, a todo
um "corpus" poético que se caracteriza pela narratividade
e a simplicidade.
Em sua tradução, Vizioli usa estrofes em que se alternam
versos de doze sílabas e versos de seis. (Justifica-se a escolha de versos mais longos: como as palavras inglesas são
mais curtas, o que se pode dizer em oito sílabas inglesas dificilmente cabe em oito portuguesas.) E Vizioli é rigidamente fiel a outras características formais do original; chega até a reproduzir as rimas internas que por vezes ocorrem entre o segundo e o quarto acento dos versos de quatro pés: "Right in we wént, with sóul entént" (os acentos indicam as sílabas fortes) é traduzido como "Reentramos
com calma, remoendo n'alma". Porém a estrofe por ele
adotada -dodecassílabos entremeados com hexassílabos- não é uma forma tradicional da poesia lusófona,
muito menos da nossa poesia popular. E o efeito geral de
seus versos pesados, metrificados com mais rigor do que o
próprio original, não podia estar mais distante do sabor
popular conotado pela balada.
Além disso, a imposição de permanecer sempre colado
ao original leva o tradutor a fazer "enjambements" e inversões que afastam seu texto ainda mais do tom de simplicidade buscado por Wilde. Assim, dois versos singelos e diretos como "They thínk a múrderer's heárt would táint/
Each símple séed they sów" são transformados numa passagem de tortuosidade parnasiana: "Julgam que o coração
de um assassino os grãos/ Plantados mancha e estanca".
Efeito hipnótico
Que solução teria sido melhor? O que fazer se a balada é
uma forma inglesa que não tem correspondente exato em
português? Nosso idioma possui formas poéticas que,
mesmo não sendo formalmente equivalentes à balada inglesa, a ela correspondem em termos funcionais. É o caso
da redondilha maior -o verso popular de sete sílabas, de
contagem pouco rigorosa e rimas pobres ou toantes, que
João Cabral dignificou em tantos poemas seus. Uma outra
opção seria o verso de nove sílabas de ritmo ternário, com
efeito hipnótico, que Gonçalves Dias usa em várias seções
de seu "I-Juca-Pirama". Podemos imaginar como ficariam
em língua portuguesa, adotando-se tais opções, os versos
acima citados ("They thínk..."). Em redondilha maior:
"Julgam que o coração/ de um assassinato enterrado/ Tem
poder de corromper/ O grão que ali for plantado". Ou, na
forma de "I-Juca-Pirama": "Coração de assassino, eles
pensam/ Contamina a semente plantada".
Uma tal solução certamente obrigaria o tradutor a tomar
liberdades ousadas; por exemplo, minha versão em redondilha desdobra dois versos do original em quatro. Porém,
ainda que menos fiel à letra do original, uma tradução assim estaria mais próxima do seu espírito. Pois a escolha da
forma da balada tem um significado especial aqui: para
Wilde, homem requintado e orgulhoso, a prisão representou uma humilhação profunda, o fim de sua carreira literária, seu casamento e sua reputação social; ele terminará
convertendo-se ao catolicismo no leito de morte. Sem dúvida, é significativo que, para tematizar essa experiência
terrível, em seu último poema, ele resolva adotar a mais
despretensiosa, a mais humilde das formas poéticas da língua inglesa. Pois é justamente isso que se perde nesta tradução de resto cuidadosa; e não é pouca coisa.
Paulo Henriques Britto é poeta, tradutor e autor de "Trovar Claro" (Cia.das Letras).
Texto Anterior: Renato Lessa: Superstições políticas Índice
|