São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999 |
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Os bardos da nação
LILIA MORITZ SCHWARCZ
A velha questão racial encontrava acolhida na revista. A descrença na composição mestiçada da população, a ausência de uma base étnica estável e a conclusão de sua fragilidade, faziam com que, na "Revista", essa "falta" se transformasse em nosso maior problema, atestado em todos os aspectos da vida nacional. Mas Tania de Luca faz mais. Percebe oscilações desse tipo de discurso que, a partir dos anos 1910/20, passa a ver a miscigenação com novos olhos, na medida em que a interpretação apoiava-se em princípios agora higiênicos. Significativa nesse sentido é a "conversão" de Jeca Tatuzinhos, que aparece associado a Fontoura, um pioneiro da indústria farmacêutica nacional. Com a divulgação do Biotônico e demais produtos do laboratório contra verminoses, as prescrições eugênicas infiltram-se no cotidiano -de uma interpretação racial migrava-se para uma explicação sanitária do tema. O caipira não "era" assim, mas "estava" assim. Mas, se as temáticas eram variadas, como bem mostra a autora, acima de todas essas dimensões, São Paulo é que parecia estar em questão. Afinal, junto com a representação de um local próspero, berço do café, palco da independência e habitado por uma raça superior -manifesta na própria figura do Bandeirante-, somava-se a imagem do guardião da língua dos descobridores, pura apenas nesse local. Fazendo jus às pretensões da elite, que tencionava conduzir politicamente o país, a "Revista" afirmou-se como porta-voz da paulistanidade, que nunca negou a origem do empreendimento. Enfim, o maior mérito de Tania de Luca está em reler a revista a partir de seus diferentes ângulos de análise. No entanto, o acerto do recorte carrega também armadilhas. A autora dá tal centralidade à publicação que acaba por condicionar, em alguns momentos, todos os embates a esse local. Principalmente quando o livro se remete ao tema racial, fica difícil discernir entre a produção local e o debate realizado alhures. Além disso, ilumina-se de tal maneira o cenário selecionado que mal se percebe como a publicação também funcionava como veículo em que se escoavam temas e perspectivas presentes de forma anterior, e talvez mais complexa, em outros estabelecimentos. A análise ganharia em amplidão se estabelecesse relações mais evidentes com a reflexão que se realizava em outras instituições, como as faculdades de medicina e de direito, os museus de etnografia de onde provinha boa parte desses mesmos intelectuais. No contexto paulista, mais particularmente, é relevante a atuação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que, ao questionar a preponderância carioca nessas searas, passava a definir a história do país como um empreendimento paulista e de seus bandeirantes. Isso para não falar da Escola de Direito ou do Museu Paulista, que pretendiam acumular para São Paulo símbolos de cultura e de tradição, até então monopolizados pelos centros do Rio. Nesses estabelecimentos o debate, ora mais darwinista, ora mais liberal, dividiu essa intelectualidade que sempre acreditou que fazer ciência era imiscuir-se, diretamente, nos destinos da nação. Colocada assim, em contexto, a "Revista do Brasil" talvez diga ainda mais. Fala de forma exponencial da afirmação de uma nova hegemonia cultural e de uma geração que fez a cama, mas não puxou os lençóis. Nada como a modernidade cantada antes de seus mais conhecidos sinaleiros. Lilia Moritz Schwarcz é professora de antropologia na USP e autora de "As Barbas do Imperador" (Companhia das Letras). Texto Anterior: Poema Próximo Texto: Abílio Guerra: A esfinge silenciosa Índice |
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