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Artigos do atual ministro da Fazenda mostram sua trajetória desde 1978
Bravo, Malan
LEDA PAULANI
Para esta coletânea, editada a fim de comemorar as
duas décadas de existência do Ierj (Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro), os organizadores convidaram os nove economistas que presidiram a instituição ao longo de seus 20 anos de vida. O primeiro
foi justamente Pedro Malan, sucedido por Maria da
Conceição Tavares. Dadas as posições absolutamente polares que eles defendem hoje e sua inegável expressão na vida política do país, estaria mais que justificado escrever uma resenha enfatizando apenas
seus artigos.
Porém, quanto a Tavares, o livro contém tão somente a transcrição de uma rápida entrevista concedida ao boletim do Ierj, em julho de 78. Já da autoria
de Malan o livro traz três textos: um de 1980, outro de
1989 e um último de maio de 1998. Como o espaço é
exíguo, decidi comentar apenas os 20 anos de Malan.
Julgo que há aí menos arbítrio do que parece. Não
bastando ser ele quem é e o país estar na situação em
que está, Malan ainda fez questão de frisar na introdução que redigiu para seus artigos: "Quero apenas
registrar que não me arrependo de nada do que escrevi". Daria para recusar um convite desses? Portanto que me perdoem os demais autores e que atentem os leitores para outros instigantes textos do livro. Mas vamos a Malan.
O Malan de 1978 é um crítico feroz da ortodoxia
econômica. Para ele, "a chamada ciência econômica
é um veículo para racionalizar certos tipos de interesses ligados à ideologia dominante", condição essa
diante da qual os economistas teriam apenas "uma
postura crítica rarefeita". Assim, "as embaçadas lentes dos economistas ortodoxos" teriam feito deles
futurólogos de péssima qualidade, que expressam
sua visão do problema econômico em termos de
uma dicotomia, para ele ilegítima e antidemocrática,
entre os objetivos do controle inflacionário, do controle do balanço de pagamentos e do crescimento e
os objetivos relacionados aos chamados "problemas
sociais a serem eventualmente resolvidos a longo
prazo", processo lento "para o qual se deveria pedir
-ou impor- paciência".
Para Malan, o que permitia então no país o florescimento dessa "ilusão tecnocrática", que, "reduzindo tudo a uma questão de eficiência", apostava numa "única solução racional", inaceitavelmente atrelada ao "padrão de consumo de economias com renda "per capita" várias vezes superior à brasileira", era
a inexistência de um processo político aberto, que
"reconhecesse como óbvia a existência de respostas
divergentes".
Há mais nesse texto de Malan que mereceria atenção, mas isso basta. Essa pequena síntese de suas
idéias em 1978 parece suficiente para mostrar de maneira cabal como o próprio Malan se trairia. A política econômica da qual ele é hoje o condutor primeiro
é absolutamente tecnocrática, bate incansavelmente
na tecla do "não há outra saída" e não aceita respostas divergentes, já que desqualifica seus opositores
sob a pecha de incompetentes, quando não de impatriotas (ou, na melhor das hipóteses, utópicos). Além
disso, conseguiu a façanha de mais do que dobrar o
nível de desemprego em quatro anos e tem operado,
impositivamente, para gáudio das elites e de um modo inimaginável há 20 anos, o atrelamento do país ao
padrão de consumo das economias avançadas.
O Malan de 89 não tem maior interesse, até porque
o texto é bastante curto. O Malan de 98 talvez não
fosse preciso reproduzir. Desfia impassivelmente a
já conhecida cantilena das benesses do real, de suas
promessas de retomada sustentada do crescimento e
de melhoria das condições de vida da população. Algumas observações, porém, merecem destaque.
Vinte Anos de Política Econômica
João Paulo de Almeida Magalhães e outros (org.)
Contraponto (0/xx/21/259-4957)
286 págs., R$
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Defesa das reformas
A primeira delas dá razão ao Malan de 78. Lá, ele
dissera que os economistas são péssimos futurólogos. Pois acertou em cheio! Comentando a política
cambial do Plano Real (não nos esqueçamos de que
o artigo foi escrito em maio de 98), ele afirma: "Temos uma política cambial flexível o suficiente. (...)
Portanto não teremos surpresas no câmbio". Janeiro
de 1999 que o diga!
A segunda observação diz respeito à questão da desigualdade. Como os ricos "nem são tantos assim,
como pode parecer à primeira vista" (à primeira vista? em que país ele vive? certamente não no Brasil,
onde o que mais se vê é miséria), as classes médias é
que são as culpadas, já que, em detrimento dos mais
pobres, são detentoras de privilégios inaceitáveis
tanto na previdência quanto na educação (leia-se
universidades públicas). Trata-se, como se vê, de
uma forma inusitada de defender as reformas pelas
quais se bate o atual governo.
Uma última observação diz respeito às razões pelas
quais a inflação deve ser mantida sob controle, objetivo este que, segundo ele, "faz parte de um consenso
básico em sociedades modernas". Além da razão
econômica (eficiência), da razão política (é o que a
opinião pública espera) e da razão social (prejudica
os mais pobres), Malan arruma ainda uma razão ética: a inflação propicia enormes -e, presume-se,
inaceitáveis do ponto de vista moral- transferências patrimoniais. Razão muito nobre, sem dúvida.
Mas, tendo em vista o que aconteceu em nosso país
recentemente, particularmente por conta do processo de privatização e do câmbio descabidamente sobrevalorizado, o Brasil lá precisa de inflação para
operar tais transferências?
Malan é certamente um dos exemplos mais flagrantes da guinada liberal levada a cabo por boa parte da intelectualidade brasileira nos últimos anos.
Talvez por isso diga que não se arrepende do que escreveu. Premonitoriamente, ele fecha seu artigo de
1978 transcrevendo as seguintes palavras de Weffort:
"Seja o que for que o futuro nos reserva, o certo é que
dentro de algum tempo já não haverá mais ninguém
à vista a quem possamos responsabilizar; (...) só restará o peso de nossa própria fraqueza e de nossa própria incompetência política". Bravo, Malan!
Leda Maria Paulani é professora da Faculdade de Economia e Administração da USP.
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