São Paulo, sábado, 14 de novembro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A dinâmica da ciência
ANTONIO A. P. VIDEIRA
Em geral, sugere Abrantes, as análises filosóficas e históricas (pouco importando se elaboradas por cientistas profissionais, historiadores ou filósofos) sobre a ciência são equivocadas porque, entre outros problemas, pretendem obter resultados com graus de sistematicidade e coerência rara e dificilmente encontrados nos trabalhos dos próprios cientistas. Em suas próprias palavras: "Frequentemente, notam-se inconsistências entre a imagem explicitada por um cientista e a que efetivamente opera em sua prática". Abrantes retoma, portanto, um antigo, recorrente e sério problema vivido pela filosofia da ciência e que a leva a receber críticas que podem, inclusive, provocar sua rejeição pelos cientistas. Estes últimos não se reconhecem nas análises apresentadas por filósofos e historiadores. Não é, contudo, objetivo de Abrantes resolver tal problema. A rigor, parece-nos que a sua intenção é provar, mediante uma discussão precisa e cuidadosa de casos históricos (o que é feito em cada um dos capítulos do livro), que as análises parciais (isto é, aquelas que privilegiam apenas elementos epistemológicos, metafísicos, históricos ou sociológicos) estão necessariamente condenadas ao fracasso. E não apenas na opinião dos cientistas. Atualmente, não são poucos os filósofos e historiadores da ciência que reconhecem a importância do uso de múltiplos pontos de vista. O emprego das expressões "imagem de natureza" (1) e "imagem de ciência" (2), obrigatoriamente imprecisas, deve mostrar que a prática científica atua no nível ontológico e também no nível metodológico. Uma imagem de natureza conduz a uma imagem de ciência e vice-versa. Todavia, Abrantes não procura apenas apresentar a sua visão das relações que devem existir entre as diferentes perspectivas (filosófica, histórica e, em menor grau, sociológica) para que a discussão sobre a ciência ocorra de forma rica e instrutiva. Grande parte de seu livro é dedicado ao exame minucioso de questões relativas à história da ciência. Trata-se, pois, de investigar como se dá o "condicionamento recíproco entre imagens de natureza e imagens de ciência. O emprego do mesmo termo, "imagem', no que se refere tanto aos pressupostos ontológicos de um programa de pesquisas (uma imagem de natureza) quanto aos pressupostos epistemológicos e metodológicos dessa atividade (uma imagem de ciência), tem o propósito de sugerir um tratamento global para essas diferentes categorias de imagens que permita evidenciar sua interdependência". Nesse exame de casos históricos bem circunscritos, Abrantes discute, por exemplo, problemas de interpretação relativos à transmissão da ação física, às diferenças existentes entre as cosmologias platônica, aristotélica e estóica, ao surgimento do método experimental, à influência do pensamento estóico em Newton e à influência deste sobre a física francesa, entre outros muitos assuntos. Em nossa opinião, a obra em questão não possui uma estrutura linear. Embora possa ser visto como uma coletânea de ensaios (com um fio condutor, que se encontra desenvolvido na introdução), este livro não deve ser lido por "partes", pois seus capítulos não são, a rigor, completamente independentes entre si. Essa característica, ao mesmo tempo que o torna mais interessante, faz com que a ausência de uma conclusão, como que para realizar um balanço dos resultados obtidos em cada um dos capítulos, constitua uma pequena deficiência desta obra, impedindo, por exemplo, que o leitor compreenda o último parágrafo do livro em que se afirma, resumidamente, que a atitude de Poincaré com relação à ciência foi mais acertada do que a de Duhem. Isso certamente não retira o brilho deste livro, que é bem escrito, claro e muito interessante, tornando-se assim uma referência obrigatória para todo aquele se dedica à história e filosofia da ciência. Notas: 1. "As imagens de natureza -essas ontologias assistemáticas que orientam a atividade criadora" (pág. 13). 2. "Uma imagem de ciência pode incluir, por exemplo, concepções a respeito dos "métodos' adequados para a aquisição do conhecimento científico ou, ainda, um conjunto de critérios para a validação de teorias (ou de qualquer outro produto de atividade científica), por exemplo. Tais critérios estão, normalmente, vinculados à adoção de determinados "valores cognitivos', como os de adequação empírica, simplicidade, consistência, poder preditivo etc., que também constituem componentes centrais de imagens de ciência" (págs. 16-17). Antonio Augusto Passos Videira é professor do departamento de filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante do Observatório Nacional-CNPq. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
|