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São Paulo, sábado, 14 de novembro de 1998
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Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A construção do cetro
NELSON AGUILAR
Pela leitura atenta do livro, percebe-se que o tempo que Maximiliano passou no exterior foi de radical transição para ele: então ocorreram a premiação na bienal baiana, a morte da genitora, a celebrada iyalorixá Mãe Menina, o casamento com Juana e a lua-de-mel a um só tempo iniciática e etnográfica à Nigéria, Daomé e Tunísia. Religião, arte, conhecimento a partir daí tornam-se indissolúveis para Mestre Didi. As informações biográficas ou religiosas não elucidam o fenômeno estético. As peças de Didi têm proeminência porque colocam em questão a gênese da obra de arte, a saber, sua formatividade. Nesse sentido, o feixe das nervuras de palmas de palmeira que constitui o núcleo dos cetros, árvores e serpentes, verdadeiros gêneros por onde se reparte sua produção escultórica, está entre a terra e o ar, à maneira de um salto, da preparação para o vôo. Descortina o horizonte ou avizinha-se do firmamento. Nessa propulsão, aparenta-se a outro escultor, Brancusi. Não o marcado pela arte africana, mas o anterior, o das Maiastras, ou o posterior, que compreende com maior abrangência o legado dos artífices negros. Os cauris, moluscos de teor opalino que capturam iridescências aquáticas, têm o papel de aliviar a base, as partes intermédias, a fim de oferecer condições para a arrancada de cada um dos projéteis. Nada muito diferente do emprego de azulejos aconselhado por Le Corbusier à equipe de arquitetos que construiria o Palácio Capanema, antigo Ministério de Educação e Saúde Pública do anterior distrito federal, com a finalidade de tirar peso das vedações térreas. Ou para fazer valer a sublimidade estrutural de João Villanovas Artigas: "É preciso fazer cantar o ponto de apoio". Os cauris formam estrelas, constelações, ao início de cada peça, instaurando uma relação inversa entre as posições superior e inferior por meio da chuva de luminosidade, centelhas de luz, fogos de artifício a cruzarem o ponto de partida da produção. A maneira como Didi resolve o problema da base de suas peças, integrando-a ao todo, sem nenhuma solução extemporânea, dá a cada uma algo da conduta gráfica de uma linha que não se interrompe, do gesto contínuo de uma pincelada. Tiras de couro ou de pano colorido pontuam os cetros, transmitindo à pura visualidade uma característica háptica mais que táctil, formando uma ponte entre os objetos consagrados. As tiras trabalham como um círculo a ser empunhado, dão dignidade de cetro às peças, ainda que sendo sinalizadores. A serpente, signo de Òsùmàrè, lida com a forma do infinito, por recorrer a uma fita de Moebius, passagem de uma dimensão a outra sem perder a continuidade. Alguns cetros de Didi compreendem círculos, sugerem a espiral concêntrica ou excêntrica, origem do labirinto, ida para as zonas subterrâneas e saída. O mitólogo Károly Kerényi explica que os primeiros labirintos foram dançados. A dança desempenha papel central no culto dos òrisà. A dança é um gerúndio, o momento onde símbolos tornam-se formas, adquirem motricidade. Nesses momentos moebiusianos, a arte conquista autonomia, incorporando outras possibilidades. Didi vive e assinala essa abertura. Nelson Aguilar é professor de história da arte na Universidade Estadual de Campinas e curador-geral da exposição "Brasil 500 Anos Artes Visuais". Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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