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Minha história - José Reinaldo Lopez, 33

De lavrador a doutor

(...) Abandonei a escola com 16 anos. Fui até a 5ª série (...) Meu primeiro emprego foi na lavoura de café. Era uma vida sofrida (...) Foi convivendo com o sofrimento que me apaixonei pela medicina (...) Consegui o dinheiro escrevendo cartas com pedidos de ajuda (...) Um dia pretendo retribuir

Silva Junior/Folhapress
José Reinaldo Lopez, em frente ao prédio do curso de medicina, no campus da Unaerp, de Ribeirão Preto
José Reinaldo Lopez, em frente ao prédio do curso de medicina, no campus da Unaerp, de Ribeirão Preto

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

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Abandonei a escola com 16 anos. Fui até a 5ª série, mas, muitas vezes, eu ia para a aula, pulava o muro e ficava andando pela rua ou ia para o lixão de Monte Belo (MG), cidade onde eu morava. Saí da escola quase sem aprender.

Meu primeiro emprego foi na lavoura de café. Acordava às 6h. Era uma vida muito sofrida porque é um trabalho manual e a colheita coincide com o tempo do frio.

E foi assim até meus 23 anos. Nessa época, minha irmã caiu doente, teve um problema no pulmão e os médicos não sabiam o que era.

Ficou um ano assim e minha mãe, já idosa, estava cansada de percorrer hospitais. Então, me ofereci para cuidar.

Uma das internações durou 40 dias e a médica que cuidava da mana, Ana Márcia, de Varginha (MG), foi minha primeira inspiração.

Digo que foi convivendo com o sofrimento que me apaixonei pela medicina.

Minha irmã ficou boa, graças a Deus. Já eu tive que voltar para a roça. Estava apaixonado pela medicina, mas não tinha estudo, era, na verdade, analfabeto funcional.

Até que, um dia, acordei para ir para a lavoura, mas estava muito frio. Não tive coragem de sair de casa.

Coincidiu que liguei a televisão antiga que a gente tinha e estava passando o Telecurso 2000. Achei que poderia ser uma chance, estavam montando classes lá na cidade. Entrei na primeira turma.

Antes de terminar a safra eu já tinha começado o curso. Terminava o trabalho na lavoura e corria para a aula.

Em dois anos, concluí o ensino médio e aquela vontade de trabalhar em hospital não saía da minha cabeça.

Aí, me matriculei em um curso profissionalizante de um ano para auxiliar de enfermeiro. Em dezembro de 2003, terminei e saí da roça.

Foi quando me mudei para Alfenas (MG) e consegui arrumar emprego. Logo eu já estava em dois hospitais. Fiquei três anos fazendo jornada dupla e achei que era a hora de prestar medicina.

Prestei e vi que não seria fácil para alguém como eu, que tinha base educacional ruim. Optei, então, por fazer enfermagem. Consegui ser aprovado e deixei um dos empregos para ficar só no hospital-escola da faculdade.

Quando terminei a graduação, pedi demissão e fui para BH com R$ 2.000 do acerto no bolso. Ainda queria medicina e fui tentar a obtenção de novo título na capital.

Fiquei um semestre estudando para a prova. Morava em uma pensão de R$ 250 por mês, estudava na biblioteca da UFMG e gastava R$ 1,75 por dia no restaurante popular. Era R$ 1 o almoço, R$ 0,25 o café da manhã e R$ 0,50 para a sopa da janta.

Como o restaurante não abria aos finais de semana, aos sábados eu só almoçava e, aos domingos, comprava pão ou fruta. Os R$ 2.000 duraram seis meses.

Fiz a prova, mas não passei outra vez. Sem dinheiro, eu voltei para Monte Belo e comecei de novo: trabalhava de enfermeiro durante o dia e estudava à noite.

FOLHA EMPRESTADA

O meu problema nas provas era a redação. Resolvi fazer um curso em Alfenas. Tinha uma professora que usava a Folha para ensinar. Instruía os alunos a ler o editorial em voz baixa, depois em voz alta e em seguida pedia para copiar.

Comecei a estudar assim, mas eu não comprava a Folha, não. Eu pedia emprestado e tirava xerox.

Na primeira redação que fiz tirei nota 4, depois, no final do curso, já tirava 8 e 9.

DE 11º A 1º

Pesquisando na internet eu soube que, em Ribeirão Preto, a Unaerp também tinha prova de obtenção de novo título e prestei.

Me classifiquei na primeira fase, passei em redação e na prova específica, mas reprovei na segunda fase. Eram dez vagas e fiquei em 11º.

Aí, estudei mais seis meses, prestei novamente e consegui entrar em primeiro lugar. Comecei a cursar medicina no início de 2011.

OBAMA

Só que não tinha dinheiro nem para a matrícula, que custava uns R$ 4.000. Viajei com a cara e a coragem para Ribeirão. Precisava me matricular para tentar bolsa.

Consegui o dinheiro escrevendo cartas com pedidos de ajuda a médicos, parentes, conhecidos. Essas pessoas me ajudaram muito.

Estava assistindo ao jornal uma noite e vi a notícia sobre como o [presidente dos EUA, Barack] Obama fez para conseguir dinheiro para a campanha dele à presidência. Pensei: quando passar em medicina vou fazer o mesmo, vou movimentar o pessoal.

Se isso podia eleger um presidente, por que não poderia me ajudar a ser médico? Um empresário me emprestou R$ 10 mil para eu passar um semestre e pagar só depois de formado. Eu sabia que o povo não podia me ajudar tanto por tanto tempo.

A solução foi escrever uma carta para a reitoria, explicando toda a situação. Depois de analisar meu caso, a Unaerp me deu bolsa integral.

Hoje, não pago mensalidade, mas tenho de manter as boas notas. O pessoal de Minas ainda ajuda com o aluguel e eu sou muito grato. Um dia pretendo retribuir.

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