Ribeirão Preto, Domingo, 07 de Novembro de 2010

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PERFIL JOÃO CARLOS DE FIGUEIREDO FERRAZ

Usineiro Marchand

Com quase mil obras, paulistano ex-dono de usina que adotou Ribeirão é um dos mais importantes colecionadores de arte contemporânea do Brasil

JULIANA COISSI
DE RIBEIRÃO PRETO

Há usineiros de Ribeirão Preto que multiplicam sua fortuna com mais usinas e terras. Outros investem em uma paixão, como carros ou motos. Foi o que fez João Carlos de Figueiredo Ferraz, 58, há dez anos. Com um ar maroto, contou aos amigos que havia comprado uma moto.
"É maluco! Não teve juventude?", zombaram colegas do "senhor" de 50 anos.
João Carlos convidou-os à sua casa para verem sua Romagnolo vermelha. Mais precisamente "Moto", obra de 2000 de plástico moldado nas proporções de uma moto real, do artista contemporâneo Sérgio Romagnolo.
Em vez da garagem, "a Romagnolo" está estacionada na sala de estar, em meio ao que parece mais um museu do que uma casa.
A "moto" integra uma coleção de quase mil obras. O vasto acervo torna João Carlos, este ex-usineiro que saiu de São Paulo e adotou Ribeirão como sua cidade, um dos mais importantes colecionadores privados de arte contemporânea do Brasil.
Seu espectro de quadros, esculturas e instalações debruça-se sobre o período dos anos 80 até os dias atuais com nomes como Vik Muniz, Adriana Varejão, Leda Catunda e Tunga, entre outros.

NA GALERIA
E o que faz um olhar apurado em arte contemporânea em meio aos canaviais?
A ligação com o interior parece pouco provável para um paulistano filho de ex-prefeito, o engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz (1970-73), que fez os cálculos para o vão livre do Masp.
Mas não seria pelo homem das exatas que ele se ligaria às artes. Com pais separados, João, estudante de economia do Mackenzie, morava sozinho e visitava a mãe, Lídia.
Seu padrasto lhe mostrou livros com obras de Van Gogh, Manet e Monet. Como um homem de seu tempo, porém, João começou a descobrir a arte produzida naqueles anos 70. "Surgia um trabalho diferenciado. Via aqueles quadros do pós-Guerra, as obras de [Jackson] Pollock, cheio de pingos. A arte contemporânea é aquela loucura. Eu achava lindo, mas não entendia nada".
João juntou-se a um grupo que toda semana visitava galerias -críticos e artistas da época ainda iniciantes.
Eram nomes como Rodrigo Andrade, Fabio Miguez e Nuno Ramos -este recentemente expôs uma instalação na Bienal de São Paulo com urubus, cujo aprisionamento das aves gerou polêmica.
Logo conheceria cariocas que expunham em São Paulo, como Tunga, Jorginho Guinle e Leda Catunda.
As poucas economias de recém-formado não lhe permitiam muito mais do que comprar algumas gravuras.
Além das exposições, João também gostava de visitar um amigo no interior. Nos bailes de Carnaval de Ribeirão, conheceu Dulce, com quem se casaria, aos 26. A família dela, de pecuaristas, decidiu investir na cana, por causa do Pró-Álcool.
A ideia atraiu João Carlos, que se tornou sócio e dirigiu a usina Jardeste, em Jardinópolis. João, então, mudou-se para Ribeirão, em 1982.

A COLEÇÃO
Os 313 km de Ribeirão a São Paulo não separaram João das galerias. A cada viagem de negócios à capital, ia a exposições no tempo livre.
Em uma delas, deparou-se com "Dispnéia Parafernália", quadro de 1981 de Jorginho Guinle, na primeira exposição do artista em galeria. Comprou a obra, que daria início à coleção -o valor do quadro João não revela, assim como o de todo o acervo.
Quadros e esculturas começaram a se acumular em sua casa, em Ribeirão. Começaram a faltar paredes.
As obras abstratas e esculturas de ferro retorcido provocavam estranheza entre amigos usineiros. "Um colega disse: "Nunca pensei em ver um negócio desses na casa de um amigo". Mas aprenderam a gostar." No fim dos anos 90, sem espaço, João passou a guardar as obras na fazenda da família de Dulce. Há dois galpões lotados.

PINACOTECA
O acervo do usineiro só tomou visibilidade em 2000, quando expôs sua coleção no MAM (Museu de Arte Moderna), em São Paulo.
Com sucesso de crítica, veio um convite da Pinacoteca de São Paulo para que cedesse seu acervo em comodato. João concordou, mas apenas se fosse criada uma Pinacoteca em Ribeirão.
O imbróglio durou cinco anos, entre tratativas com os prefeitos. Dois lugares chegaram a ser cogitados como sedes da Pinacoteca. A ideia, diz ele, não vingou por falta de apoio do ex-prefeito Welson Gasparini -a Folha não conseguiu localizá-lo.
Mas João está disposto a tirar as obras da caixa. Desde o ano passado, começou a erguer no Alto da Boa Vista um prédio de 2.500 m2.
O novo espaço deverá funcionar em maio de 2011. E, garante João, conseguirá abrigar todo o seu acervo.
Ou quase todo. As obras que disputam espaço em sua casa permanecem. "Tenho uma relação de proximidade muito forte com essas obras. Quando as tiro para alguma exposição, me faz uma falta. Parece que é um filho que saiu de casa." Os dois filhos, aliás -Roberta, 30, e Luiz Felipe, 26- já se acostumaram a conviver com a arte.
João não sabe se seguirão seu caminho de colecionador. Ele dá dica para quem deseja montar uma coleção: "Aposte na tua época, nos artistas da sua geração. Mas aposte no que você gosta."


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