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PERFIL JOÃO CARLOS DE FIGUEIREDO FERRAZ
Usineiro Marchand
Com quase mil obras, paulistano ex-dono de usina que adotou Ribeirão é um dos mais importantes colecionadores de arte contemporânea do Brasil
JULIANA COISSI
DE RIBEIRÃO PRETO
Há usineiros de Ribeirão
Preto que multiplicam sua
fortuna com mais usinas e
terras. Outros investem em
uma paixão, como carros ou
motos. Foi o que fez João Carlos de Figueiredo Ferraz, 58,
há dez anos. Com um ar maroto, contou aos amigos que
havia comprado uma moto.
"É maluco! Não teve juventude?", zombaram colegas do "senhor" de 50 anos.
João Carlos convidou-os à
sua casa para verem sua Romagnolo vermelha. Mais precisamente "Moto", obra de
2000 de plástico moldado
nas proporções de uma moto
real, do artista contemporâneo Sérgio Romagnolo.
Em vez da garagem, "a Romagnolo" está estacionada
na sala de estar, em meio ao
que parece mais um museu
do que uma casa.
A "moto" integra uma coleção de quase mil obras. O
vasto acervo torna João Carlos, este ex-usineiro que saiu
de São Paulo e adotou Ribeirão como sua cidade, um dos
mais importantes colecionadores privados de arte contemporânea do Brasil.
Seu espectro de quadros,
esculturas e instalações debruça-se sobre o período dos
anos 80 até os dias atuais
com nomes como Vik Muniz,
Adriana Varejão, Leda Catunda e Tunga, entre outros.
NA GALERIA
E o que faz um olhar apurado em arte contemporânea
em meio aos canaviais?
A ligação com o interior
parece pouco provável para
um paulistano filho de ex-prefeito, o engenheiro José
Carlos de Figueiredo Ferraz
(1970-73), que fez os cálculos
para o vão livre do Masp.
Mas não seria pelo homem
das exatas que ele se ligaria
às artes. Com pais separados,
João, estudante de economia
do Mackenzie, morava sozinho e visitava a mãe, Lídia.
Seu padrasto lhe mostrou
livros com obras de Van
Gogh, Manet e Monet. Como
um homem de seu tempo,
porém, João começou a descobrir a arte produzida naqueles anos 70. "Surgia um
trabalho diferenciado. Via
aqueles quadros do pós-Guerra, as obras de [Jackson]
Pollock, cheio de pingos. A
arte contemporânea é aquela
loucura. Eu achava lindo,
mas não entendia nada".
João juntou-se a um grupo
que toda semana visitava galerias -críticos e artistas da
época ainda iniciantes.
Eram nomes como Rodrigo Andrade, Fabio Miguez e
Nuno Ramos -este recentemente expôs uma instalação
na Bienal de São Paulo com
urubus, cujo aprisionamento
das aves gerou polêmica.
Logo conheceria cariocas
que expunham em São Paulo, como Tunga, Jorginho
Guinle e Leda Catunda.
As poucas economias de
recém-formado não lhe permitiam muito mais do que
comprar algumas gravuras.
Além das exposições, João
também gostava de visitar
um amigo no interior. Nos
bailes de Carnaval de Ribeirão, conheceu Dulce, com
quem se casaria, aos 26. A família dela, de pecuaristas,
decidiu investir na cana, por
causa do Pró-Álcool.
A ideia atraiu João Carlos,
que se tornou sócio e dirigiu
a usina Jardeste, em Jardinópolis. João, então, mudou-se
para Ribeirão, em 1982.
A COLEÇÃO
Os 313 km de Ribeirão a
São Paulo não separaram
João das galerias. A cada viagem de negócios à capital, ia
a exposições no tempo livre.
Em uma delas, deparou-se
com "Dispnéia Parafernália", quadro de 1981 de Jorginho Guinle, na primeira exposição do artista em galeria.
Comprou a obra, que daria
início à coleção -o valor do
quadro João não revela, assim como o de todo o acervo.
Quadros e esculturas começaram a se acumular em
sua casa, em Ribeirão. Começaram a faltar paredes.
As obras abstratas e esculturas de ferro retorcido provocavam estranheza entre
amigos usineiros. "Um colega disse: "Nunca pensei em
ver um negócio desses na casa de um amigo". Mas aprenderam a gostar." No fim dos
anos 90, sem espaço, João
passou a guardar as obras na
fazenda da família de Dulce.
Há dois galpões lotados.
PINACOTECA
O acervo do usineiro só tomou visibilidade em 2000,
quando expôs sua coleção no
MAM (Museu de Arte Moderna), em São Paulo.
Com sucesso de crítica,
veio um convite da Pinacoteca de São Paulo para que cedesse seu acervo em comodato. João concordou, mas
apenas se fosse criada uma
Pinacoteca em Ribeirão.
O imbróglio durou cinco
anos, entre tratativas com os
prefeitos. Dois lugares chegaram a ser cogitados como
sedes da Pinacoteca. A ideia,
diz ele, não vingou por falta
de apoio do ex-prefeito Welson Gasparini -a Folha não
conseguiu localizá-lo.
Mas João está disposto a tirar as obras da caixa. Desde o
ano passado, começou a erguer no Alto da Boa Vista um
prédio de 2.500 m2.
O novo espaço deverá funcionar em maio de 2011. E,
garante João, conseguirá
abrigar todo o seu acervo.
Ou quase todo. As obras
que disputam espaço em sua
casa permanecem. "Tenho
uma relação de proximidade
muito forte com essas obras.
Quando as tiro para alguma
exposição, me faz uma falta.
Parece que é um filho que
saiu de casa." Os dois filhos,
aliás -Roberta, 30, e Luiz Felipe, 26- já se acostumaram
a conviver com a arte.
João não sabe se seguirão
seu caminho de colecionador. Ele dá dica para quem
deseja montar uma coleção:
"Aposte na tua época, nos artistas da sua geração. Mas
aposte no que você gosta."
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