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PERFIL HENRIQUE DUARTE PRATA
Doutor Peão
Henrique Duarte Prata,
filho de médicos , não usa jaleco branco nem estetoscópio, mas administra o Hospital de Câncer de Barretos desde 1989; na Festa do Peão, trabalha como "madrinheiro" e aproveita para mobilizar artistas a ajudar na manutenção do hospital
ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO
Barretos tem duas grandes
"grifes": a Festa do Peão, que
acontece entre 19 e 29 deste
mês, e o Hospital de Câncer.
Duas marcas que nada teriam a ver uma com a outra se
um dia o fazendeiro Henrique Duarte Prata, 57, não tivesse entrado na história.
Prata não usa jaleco branco nem estetoscópio. Não
tem curso de medicina, mas
administra o Hospital de
Câncer de Barretos desde
1989. Hoje, com 220 médicos
e 2.000 funcionários, o centro é referência em atendimento da doença pelo SUS
(Sistema Único de Saúde).
Prata usa calças jeans, bota e chapéu. Ele cria cavalos
de rodeio, já foi campeão de
montaria na década de 1990
e é o "madrinheiro" (conduz
os animais de volta ao brete)
do rodeio de Barretos.
O universo "boiadeiro"
ajuda na captação de recursos para cobrir o deficit mensal de R$ 5 milhões do hospital, que custa R$ 13 milhões
por mês, mas recebe do SUS
R$ 8 milhões.
Foi de Prata a ideia de, em
1990, convidar artistas sertanejos -e, mais tarde, de outros estilos- para batizar os
pavilhões do HC em troca de
divisas para a instituição.
Quem entra na sala de Prata no hospital e corre os olhos
pelas imagens estampadas
na parede ou pelos porta-retratos logo percebe que ele é
um administrador muito
bem relacionado.
A foto dele com o papa
João Paulo 2º é só um exemplo. A imagem também serve
para ilustrar uma de suas frases: "Costumo dizer que tenho muita intimidade com
Deus para conseguir tocar o
hospital sem ter formação
nenhuma para isso."
Prata, que estará nesta semana no "Programa do Jô",
da TV Globo, se prepara para
receber, em fevereiro, a primeira-dama da França, Carla
Bruni. Ela vem inaugurar no
HC o primeiro núcleo de robótica videoendoscópica da
América Latina.
"Deus", aliás, foi uma das
palavras mais repetidas por
Prata durante essa entrevista. A conversa começou no
gabinete dele no HC e terminou na cocheira de uma de
suas fazendas. A história é
cheia de detalhes. É melhor
que ele mesmo conte.
COMEÇO
"Sou filho de um casal de
médicos que teve uma formação profunda. Meu pai [Paulo Prata] fez mestrado e doutorado em 1950.
Meu avô materno morava
em Barretos e meus pais vieram da capital para o interior
criar os cinco filhos. Minha
mãe [Scylla Duarte Prata] recebeu recursos do meu avô e
comprou um hospital, que
batizou de São Judas Tadeu.
Eles abriram então um
convênio com o Inamps, que
era o SUS de hoje. Naquele
tempo, o hospital já trabalhava no vermelho porque as tabelas do governo nunca cobrem os preços dos serviços
de melhor qualidade.
Começou como um hospital geral, mas meu pai era
muito temente a Deus e ficou
com pena do pessoal da roça
que ia a São Paulo para tratar
câncer. Então, em 1967, ele
transformou a instituição no
primeiro hospital oncológico
do interior.
Como vivia no vermelho,
em vez de dar as coisas para
os filhos ou oferecer condições para cada um montar
um negócio, meu pai colocava todo dinheiro no hospital.
Ele falava que nós, os filhos,
tínhamos casa, educação e,
um dia, teríamos herança,
mas as pessoas que ele tratava mal tinham comida e roupas e Deus ainda havia permitido um câncer.
A VIRADA
Em 1988, o hospital quebrou por causa da hiperinflação. Eu já era fazendeiro
bem-sucedido e não gostava
de como meu pai administrava o hospital. Só que eu tinha
um diretor espiritual, o bispo
da cidade, dom Antonio
Mucciolo, e um dia ele me
chamou e disse que meu pai
estava em dificuldades e que
eu poderia ajudar.
Fiz, então, um acordo com
meu pai e minha mãe de
acertar as dívidas e fechar o
hospital. Na época, havia 80
funcionários, 14 médicos e
US$ 1,2 milhão de dívidas.
Trabalhei sete meses para fechar o hospital. Quando disse ao meu pai que estaríamos
fechados em 30 dias, ele
abaixou a cabeça e aceitou.
Só que, na mesma noite,
um médico me chamou,
abriu um livro e me mostrou
que uma pessoa precisava
ser operada em, no máximo,
65 dias e não podia ser encaminhada para nenhum outro
hospital público porque a fila
era de mais de 120 dias.
Nesse dia, não sei o que
aconteceu. Fui dormir e acordei no outro dia não com dor
na consciência, mas com
uma mudança radical de
consciência. Acordei decidido a ampliar o hospital.
Me pergunto até hoje como uma mudança tão grande
aconteceu na minha vida. O
sentimento que era de descaso e até repúdio pelo hospital
se transformou completamente. Só sei que, daí para
frente, fui tendo ideias que
deram certo.
A primeira ideia foi levantar dinheiro para as obras e
dar ao novo prédio o nome
do meu avô, Antenor Duarte
Vilela, que era muito querido
entre os pecuaristas.
Em 20 dias, levantamos
US$ 440 mil pedindo US$ 10
mil para 40 fazendeiros da
região. Foi o suficiente para
levantar as paredes do ambulatório, mas eu não sabia
como iria cobrir o prédio.
Aí, soltei uma rifa federal e
vendemos 50 mil números
em 15 dias."
BATISMO
Depois de tudo isso, os caminhos de Prata e do Hospital do Câncer de Barretos são
mais conhecidos.
O administrador do HC
também é piloto de avião e
até já transportou personalidades para pedir ajuda. Cantores doam cachês para "a
causa". Será assim no rodeio
deste ano, inclusive.
Somente os leilões de gado
renderam, em 2009, R$ 15
milhões ao hospital.
Emancipado pelo pai desde os 15 anos para poder fazer financiamentos para as
lavouras, Prata diz que administrar o HC e uma fazenda
são tarefas "idênticas".
A diferença é que, depois
que o pai morreu, o "doutor
peão" já percorreu 21 países
para conhecer "as melhores
técnicas de medicina". Ele
praticamente se interna nos
hospitais acompanhado de
alguns médicos de Barretos.
"Se quiser mandar, antes
tem que saber fazer, já dizia o
meu avô", resume.
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