Ribeirão Preto, Domingo, 15 de Agosto de 2010

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PERFIL HENRIQUE DUARTE PRATA

Doutor Peão

Henrique Duarte Prata, filho de médicos , não usa jaleco branco nem estetoscópio, mas administra o Hospital de Câncer de Barretos desde 1989; na Festa do Peão, trabalha como "madrinheiro" e aproveita para mobilizar artistas a ajudar na manutenção do hospital

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

Barretos tem duas grandes "grifes": a Festa do Peão, que acontece entre 19 e 29 deste mês, e o Hospital de Câncer. Duas marcas que nada teriam a ver uma com a outra se um dia o fazendeiro Henrique Duarte Prata, 57, não tivesse entrado na história.
Prata não usa jaleco branco nem estetoscópio. Não tem curso de medicina, mas administra o Hospital de Câncer de Barretos desde 1989. Hoje, com 220 médicos e 2.000 funcionários, o centro é referência em atendimento da doença pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Prata usa calças jeans, bota e chapéu. Ele cria cavalos de rodeio, já foi campeão de montaria na década de 1990 e é o "madrinheiro" (conduz os animais de volta ao brete) do rodeio de Barretos.
O universo "boiadeiro" ajuda na captação de recursos para cobrir o deficit mensal de R$ 5 milhões do hospital, que custa R$ 13 milhões por mês, mas recebe do SUS R$ 8 milhões.
Foi de Prata a ideia de, em 1990, convidar artistas sertanejos -e, mais tarde, de outros estilos- para batizar os pavilhões do HC em troca de divisas para a instituição.
Quem entra na sala de Prata no hospital e corre os olhos pelas imagens estampadas na parede ou pelos porta-retratos logo percebe que ele é um administrador muito bem relacionado.
A foto dele com o papa João Paulo 2º é só um exemplo. A imagem também serve para ilustrar uma de suas frases: "Costumo dizer que tenho muita intimidade com Deus para conseguir tocar o hospital sem ter formação nenhuma para isso."
Prata, que estará nesta semana no "Programa do Jô", da TV Globo, se prepara para receber, em fevereiro, a primeira-dama da França, Carla Bruni. Ela vem inaugurar no HC o primeiro núcleo de robótica videoendoscópica da América Latina.
"Deus", aliás, foi uma das palavras mais repetidas por Prata durante essa entrevista. A conversa começou no gabinete dele no HC e terminou na cocheira de uma de suas fazendas. A história é cheia de detalhes. É melhor que ele mesmo conte.

COMEÇO
"Sou filho de um casal de médicos que teve uma formação profunda. Meu pai [Paulo Prata] fez mestrado e doutorado em 1950.
Meu avô materno morava em Barretos e meus pais vieram da capital para o interior criar os cinco filhos. Minha mãe [Scylla Duarte Prata] recebeu recursos do meu avô e comprou um hospital, que batizou de São Judas Tadeu.
Eles abriram então um convênio com o Inamps, que era o SUS de hoje. Naquele tempo, o hospital já trabalhava no vermelho porque as tabelas do governo nunca cobrem os preços dos serviços de melhor qualidade.
Começou como um hospital geral, mas meu pai era muito temente a Deus e ficou com pena do pessoal da roça que ia a São Paulo para tratar câncer. Então, em 1967, ele transformou a instituição no primeiro hospital oncológico do interior.
Como vivia no vermelho, em vez de dar as coisas para os filhos ou oferecer condições para cada um montar um negócio, meu pai colocava todo dinheiro no hospital. Ele falava que nós, os filhos, tínhamos casa, educação e, um dia, teríamos herança, mas as pessoas que ele tratava mal tinham comida e roupas e Deus ainda havia permitido um câncer.

A VIRADA
Em 1988, o hospital quebrou por causa da hiperinflação. Eu já era fazendeiro bem-sucedido e não gostava de como meu pai administrava o hospital. Só que eu tinha um diretor espiritual, o bispo da cidade, dom Antonio Mucciolo, e um dia ele me chamou e disse que meu pai estava em dificuldades e que eu poderia ajudar.
Fiz, então, um acordo com meu pai e minha mãe de acertar as dívidas e fechar o hospital. Na época, havia 80 funcionários, 14 médicos e US$ 1,2 milhão de dívidas. Trabalhei sete meses para fechar o hospital. Quando disse ao meu pai que estaríamos fechados em 30 dias, ele abaixou a cabeça e aceitou.
Só que, na mesma noite, um médico me chamou, abriu um livro e me mostrou que uma pessoa precisava ser operada em, no máximo, 65 dias e não podia ser encaminhada para nenhum outro hospital público porque a fila era de mais de 120 dias.
Nesse dia, não sei o que aconteceu. Fui dormir e acordei no outro dia não com dor na consciência, mas com uma mudança radical de consciência. Acordei decidido a ampliar o hospital.
Me pergunto até hoje como uma mudança tão grande aconteceu na minha vida. O sentimento que era de descaso e até repúdio pelo hospital se transformou completamente. Só sei que, daí para frente, fui tendo ideias que deram certo.
A primeira ideia foi levantar dinheiro para as obras e dar ao novo prédio o nome do meu avô, Antenor Duarte Vilela, que era muito querido entre os pecuaristas.
Em 20 dias, levantamos US$ 440 mil pedindo US$ 10 mil para 40 fazendeiros da região. Foi o suficiente para levantar as paredes do ambulatório, mas eu não sabia como iria cobrir o prédio.
Aí, soltei uma rifa federal e vendemos 50 mil números em 15 dias."

BATISMO
Depois de tudo isso, os caminhos de Prata e do Hospital do Câncer de Barretos são mais conhecidos.
O administrador do HC também é piloto de avião e até já transportou personalidades para pedir ajuda. Cantores doam cachês para "a causa". Será assim no rodeio deste ano, inclusive.
Somente os leilões de gado renderam, em 2009, R$ 15 milhões ao hospital.
Emancipado pelo pai desde os 15 anos para poder fazer financiamentos para as lavouras, Prata diz que administrar o HC e uma fazenda são tarefas "idênticas".
A diferença é que, depois que o pai morreu, o "doutor peão" já percorreu 21 países para conhecer "as melhores técnicas de medicina". Ele praticamente se interna nos hospitais acompanhado de alguns médicos de Barretos. "Se quiser mandar, antes tem que saber fazer, já dizia o meu avô", resume.


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