Ribeirão Preto, Domingo, 20 de Fevereiro de 2011

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PERFIL PAULINHO CAMARGO

Artista da angústia

Pintor com fama de artista marginal ganha exposição , rara em sua carreira, na escola Bauhaus, em Ribeirão Preto, que traz 19 telas sobre moradores de rua

Fotos Márcia Ribeiro/Folhapress
O artista plástico Paulinho Camargo diante de um de seus quadros expostos em escola de Ribeirão Preto

LIGIA SOTRATTI
DE RIBEIRÃO PRETO

A cada pincelada, o sofrimento de traduzir, em traços, um pouco da humanidade. Autodidata, o artista plástico Paulo Camargo afirma que pintar é algo inerente a ele.
"Sou obrigado pela minha consciência", diz. Aos 67 anos, mais da metade vividos em Ribeirão Preto, o artista recebeu a reportagem da Folha na última sexta-feira e repetiu, várias vezes, a palavra angústia para expressar o que ele retratada em sua obra.
Um dia antes, Paulinho -como é conhecido-, viu a abertura da sua exposição -algo raro na carreira do pintor, apesar do talento reconhecido-, "O Portal dos Desabitados", na escola Bauhaus, em Ribeirão.
As 19 telas expostas traduzem a "angústia" do artista.
Elas retratam moradores de rua. "É um indivíduo que não tem casa, nem corpo. São anônimos sem identidade", define o artista.
Os quadros foram feitos com base em um livro homônimo lançado no ano passado. O passeio pela literatura, segundo o artista, levou oito anos para ser concluído.
Mas se as letras levaram algum tempo para chegar ao papel, as tintas sempre deslizaram com facilidade pelas telas, que são fabricadas pelo próprio artista.
Paulinho pinta desde a infância. "Tinha essa vontade de desenhar desde pequeno e, quando fui crescendo, me tornei pintor."
Amigo desde a adolescência, Fernando Kaxassa, do Cineclube Cauim, conta que Paulinho é um "fuçador".
"Aprendeu tudo sozinho. É um dos maiores observadores que já conheci."
Apesar da temática de seus quadros, Kaxassa garante que Paulinho é bem-humorado. "Ele é especial."
Somente o talento não permitiu, no entanto, que Camargo entrasse para o circuito cultural -e comercial- das artes plásticas.
Avesso aos marchands -negociadores de obras de arte-, Paulinho sempre teve uma vida financeira tumultuada e, mesmo assim, se manteve inflexível.
"Ele não sabe estimar valor, tem desapego às coisas materiais", conta Kaxassa.
A casa cheia, sempre aberta a desconhecidos, também contribuiu para as pessoas reforçarem o título de Camargo como poeta marginal.
O escritor e colunista do jornal "A Cidade" Júlio Chiavenato afirma que o fato de Paulinho ter vivido à margem da sociedade teve reflexos na sua carreira.
"Não tem ninguém com uma obra igual à dele. No entanto, não é reconhecido como deveria", disse Chiavenato, que escreveu um livro sobre a vida do artista.
De encontro com líder comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990) a troca de correspondência com guerrilheiros no Iraque, histórias não faltam sobre a vida do artista.
A visita de Prestes a Ribeirão, logo que retornou do exílio, no fim da década de 70, foi documentada por fotos, disse Paulinho.
"Do Cavaleiro da Esperança [como era conhecido Prestes] não me esqueço. Era uma excelente pessoa", lembrou Paulinho que hospedou o comunista em sua casa. Já o suposto quadro para o ex-ditador Saddam Hussein (1937-2006), na versão de amigos, foi para o Iraque.
O pintor diz que o trabalho foi fruto do contato com guerrilheiros do país. "Tinha contato com o pessoal, mas depois da invasão [dos EUA ao Iraque, em 2003], não soube mais nada."
Apesar da angústia e de um certo desalento, Paulinho olha para o futuro. "Quero falar sobre mulheres vítimas de violência. Sofro com isso e preciso pintar", afirmou à reportagem.
Exposição "O Portal dos Desabitados", de Paulo Camargo , na escola Bauhaus, até 14/mar. Inf.: (0/xx/16) 3636-9291


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