|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PERFIL/ KAIO HENRIQUE ALVIM OU SHAYENE CATHRYN
Rainha gay em terra de peão
Nada de rodeios, Kaio, que venceu o concurso Miss Gay Universe
na Bahia, gosta mesmo é de vestidos, maquiagem e colares
PAULO GODOY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO
Ele tem 1,90 m de altura,
rosto fino, sobrancelhas bem
feitas e pé tamanho 44. Aos
18 anos não engana ninguém
e nem se preocupa mais com
isso. Shayene Cathryn nasceu Kaio Henrique Alvim.
Tem família completa,
com irmãos e mãe. O pai morreu quando o rapaz tinha sete anos. Assumiu-se gay para
a mãe, Dirce, aos 15 anos.
Em Barretos, com 113 mil
habitantes, a cidade conhecida pela Festa do Peão de
Boiadeiro -talvez a festa
mais machista do país-,
Kaio ignorou os rodeios para
incrementar a maleta de maquiagem com batons, esmaltes, pós, sombras e bases.
No último dia 18, Kaio, ou
Shayene, tirou o primeiro lugar no Miss Gay Universe, em
Salvador, o que lhe rendeu
um prêmio simbólico e muita
badalação. Ele já tinha vencido por dois anos seguidos o
concurso miss gay local.
A reportagem encontrou
Kaio em sua casa na última
quarta-feira. Ele abriu o portão de chinelos, calção de
basquete e uma camiseta creme justa. Falava baixo e se
movimentava como se estivesse desfilando.
Levou a reportagem para o
quarto dele, onde o mundo
está mais para Shayene que
para um adolescente que
ainda cursa o ensino médio.
Tudo lá lembra quarto de
menina. A cortina azul tem
babado, as pás do ventilador
de teto têm adesivos românticos, o que também se vê no
computador, no rack e no
guarda-roupas.
Aliás, é no guarda-roupas
que ele definitivamente faz
qualquer um perceber que o
negócio é serio. Muitos vestidos, colares, brincos, penduricalhos e tudo o que uma
mulher sonha em ter, mas
com brilho em excesso.
Kaio é pouco afetado, mesmo quando responde a perguntas sobre sua sexualidade. Falou da primeira vez que
ficou com um homem com o
dobro da idade, do padre que
o chamou para uma conversinha de canto em plena arena da Festa do Peão e de como reconhece gays de longe,
mesmo os que disfarçam.
Henrique, um amigo de
Barretos, acompanha tudo
de perto. Ele também tem 18
anos e carrega outro nome
incomum: Sheron Camphell.
Convidado a se transformar, Kaio não pensa duas vezes. Abre sua caixa "com R$ 3
mil em produtos de beleza" e
começa o processo que faz
surgir a rainha Shayene.
A produção demora mais
de 50 minutos. Nesse meio
tempo, diz que ninguém o
ajudou na cidade quando ele
ainda estava buscando patrocínio para a viagem, para
o aluguel do vestido.
"Depois que ganhei, que
virei superstar e comecei a
aparecer em tudo quanto é
lugar, veio todo mundo perguntando. Até a TV", diz.
Para concorrer na Bahia
precisou alugar o vestido por
R$ 500. "Mas não era um vestido comum. Era lindo, brilhante, longo."
Durante algumas confidências, do tipo com quem ficou, com quem andou, Henrique, o amigo, lembra a Kaio
que eles estão conversando
com jornalistas. "O que tem,
bi? Não vou contar nada demais", respondeu.
Aos 16 começou a "montar", como chama a transformação. Hoje não vê graça em
balada se não estiver montado, de salto e com a peruca
indiana, feita com cabelos lisos, verdadeiros, que ele deixa encaracolar "porque fica
com aspecto de gente rica".
A conversa anda e a transformação não chegou nem à
metade. Fala do namorado,
de 34 anos, que está meio
afastado depois que a imprensa divulgou o nome dele. "Cidade pequena dá nisso. As pessoas são muito preconceituosas", diz ele.
Quando Shayene começa
a surgir, aparece a semelhança com a diva gay brasileira
Roberta Close, figurinha carimbada nos anos 1990.
"Acho a Roberta linda,
deslumbrante. Faria de tudo
para ficar frente a frente com
essa mulher. Dizem que pareço muito com ela."
Mas Shayene diz que não
faria a operação de mudança
de sexo que Roberta fez porque gosta da ideia de poder
ser mulher quando quer.
"Se eu fosse mulher eu
gostaria se ser como estou
agora, como eu me transformo. Só não queria ser tão alto. Se bem que não é tão ruim
porque causa impacto."
O sonho agora é ganhar o
Miss Brasil Gay, em Juiz de
Fora (MG). O prêmio, diz, é
uma mixaria (R$ 2 mil), mas é
compensa pela fama que o
vencedor alcança.
De mudança para São Paulo, onde quer estudar moda,
Kaio Alvim quer seguir carreira de estilista, tudo com o
apoio da mãe. Ela conta que
estava lendo a Bíblia quando
o filho chegou dizendo que
queria contar algo a ela.
"Eu já sabia porque notava
a diferença quando ele era
bem criança. Não gostava de
pipa, de carrinhos. Preferia
as coisas da irmã, Viviane."
Texto Anterior: TJ condena Estado a indenizar família Próximo Texto: Frases Índice
|