Ribeirão Preto, Domingo, 27 de Junho de 2010

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PERFIL/ KAIO HENRIQUE ALVIM OU SHAYENE CATHRYN

Rainha gay em terra de peão

Nada de rodeios, Kaio, que venceu o concurso Miss Gay Universe na Bahia, gosta mesmo é de vestidos, maquiagem e colares

PAULO GODOY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE RIBEIRÃO PRETO

Ele tem 1,90 m de altura, rosto fino, sobrancelhas bem feitas e pé tamanho 44. Aos 18 anos não engana ninguém e nem se preocupa mais com isso. Shayene Cathryn nasceu Kaio Henrique Alvim.
Tem família completa, com irmãos e mãe. O pai morreu quando o rapaz tinha sete anos. Assumiu-se gay para a mãe, Dirce, aos 15 anos.
Em Barretos, com 113 mil habitantes, a cidade conhecida pela Festa do Peão de Boiadeiro -talvez a festa mais machista do país-, Kaio ignorou os rodeios para incrementar a maleta de maquiagem com batons, esmaltes, pós, sombras e bases.
No último dia 18, Kaio, ou Shayene, tirou o primeiro lugar no Miss Gay Universe, em Salvador, o que lhe rendeu um prêmio simbólico e muita badalação. Ele já tinha vencido por dois anos seguidos o concurso miss gay local.
A reportagem encontrou Kaio em sua casa na última quarta-feira. Ele abriu o portão de chinelos, calção de basquete e uma camiseta creme justa. Falava baixo e se movimentava como se estivesse desfilando.
Levou a reportagem para o quarto dele, onde o mundo está mais para Shayene que para um adolescente que ainda cursa o ensino médio.
Tudo lá lembra quarto de menina. A cortina azul tem babado, as pás do ventilador de teto têm adesivos românticos, o que também se vê no computador, no rack e no guarda-roupas.
Aliás, é no guarda-roupas que ele definitivamente faz qualquer um perceber que o negócio é serio. Muitos vestidos, colares, brincos, penduricalhos e tudo o que uma mulher sonha em ter, mas com brilho em excesso.
Kaio é pouco afetado, mesmo quando responde a perguntas sobre sua sexualidade. Falou da primeira vez que ficou com um homem com o dobro da idade, do padre que o chamou para uma conversinha de canto em plena arena da Festa do Peão e de como reconhece gays de longe, mesmo os que disfarçam.
Henrique, um amigo de Barretos, acompanha tudo de perto. Ele também tem 18 anos e carrega outro nome incomum: Sheron Camphell.
Convidado a se transformar, Kaio não pensa duas vezes. Abre sua caixa "com R$ 3 mil em produtos de beleza" e começa o processo que faz surgir a rainha Shayene.
A produção demora mais de 50 minutos. Nesse meio tempo, diz que ninguém o ajudou na cidade quando ele ainda estava buscando patrocínio para a viagem, para o aluguel do vestido.
"Depois que ganhei, que virei superstar e comecei a aparecer em tudo quanto é lugar, veio todo mundo perguntando. Até a TV", diz.
Para concorrer na Bahia precisou alugar o vestido por R$ 500. "Mas não era um vestido comum. Era lindo, brilhante, longo."
Durante algumas confidências, do tipo com quem ficou, com quem andou, Henrique, o amigo, lembra a Kaio que eles estão conversando com jornalistas. "O que tem, bi? Não vou contar nada demais", respondeu.
Aos 16 começou a "montar", como chama a transformação. Hoje não vê graça em balada se não estiver montado, de salto e com a peruca indiana, feita com cabelos lisos, verdadeiros, que ele deixa encaracolar "porque fica com aspecto de gente rica".
A conversa anda e a transformação não chegou nem à metade. Fala do namorado, de 34 anos, que está meio afastado depois que a imprensa divulgou o nome dele. "Cidade pequena dá nisso. As pessoas são muito preconceituosas", diz ele.
Quando Shayene começa a surgir, aparece a semelhança com a diva gay brasileira Roberta Close, figurinha carimbada nos anos 1990.
"Acho a Roberta linda, deslumbrante. Faria de tudo para ficar frente a frente com essa mulher. Dizem que pareço muito com ela."
Mas Shayene diz que não faria a operação de mudança de sexo que Roberta fez porque gosta da ideia de poder ser mulher quando quer.
"Se eu fosse mulher eu gostaria se ser como estou agora, como eu me transformo. Só não queria ser tão alto. Se bem que não é tão ruim porque causa impacto."
O sonho agora é ganhar o Miss Brasil Gay, em Juiz de Fora (MG). O prêmio, diz, é uma mixaria (R$ 2 mil), mas é compensa pela fama que o vencedor alcança.
De mudança para São Paulo, onde quer estudar moda, Kaio Alvim quer seguir carreira de estilista, tudo com o apoio da mãe. Ela conta que estava lendo a Bíblia quando o filho chegou dizendo que queria contar algo a ela.
"Eu já sabia porque notava a diferença quando ele era bem criança. Não gostava de pipa, de carrinhos. Preferia as coisas da irmã, Viviane."


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